quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dar música à TSF

Ao que isto chegou. A TSF a passar música escolhida por este vosso jacíntico escritor. Chamam-lhe uma coisa em estrangeiro, "playlist". Já alguém ouviu?

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Um poema de João Cabral de Melo Neto


O FIM DO MUNDO


No fim de um mundo melancólico
os homens lêem jornais.
Homens indiferentes a comer laranjas
que ardem como o sol.

Me deram uma maçã para lembrar
a morte. Sei que cidades telegrafam
pedindo querosene. O véu que olhei voar
caiu no deserto.

O poema final ninguém escreverá
desse mundo particular de doze horas.
Em vez de juízo final a mim me preocupa
o sonho final.


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Adalberto Silva Silva volta a atacar em 2013



Em 2013 Adalberto Silva Silva estará no Porto, em Almada e onde mais o quiserem. Ontem, no Público, falou-se de dramaturgos, crise, muitas ideias e também deste nosso anti-herói adalbértico.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Reportagem 6



"Quando estamos felizes a nossa imaginação tem mais força; já quando estamos infelizes, é a nossa memória que age mais vivamente ." (Natalia Ginzburg)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

São Jorge!

Esta sexta, os Quais estarão no Vodafone Mexefest/ Festival LER. É às 21.30h numa sala do São Jorge.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O país da austeridade

está no New York Times, a preto e branco. Portugal não pode ser isto, a Europa não pode ser isto. Vamos lutar contra esta coligação Merkel-Gaspar-Coelho-Portas com as cores todas que existem — vamos?

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sobre uma fotografia de Ruth Orkin

Calem-se, cães. Se sofro não é de medo, é porque já devia estar lá à frente e ainda estou aqui. Quero chegar ao amanhã, mas vocês não sairão nunca deste lugar. Quando eu passar e desaparecer, fico. Mas vocês, não saindo daqui, desaparecerão também, e não ficam. Adeus para sempre. Ou melhor, até nunca. É exatamente o que merecem.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A metáfora do novo jornal Público

Clica-se no nome do primeiro-ministro de Portugal e aparece:




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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Poesia na democracia

Camila, vem-nos ajudar a lutar contra esta austeridade triste, feia e má. É como diz o outro: falta pôr poesia na democracia!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Professor Ibra

Isto é um golaço, claro, e também uma bela lição de comédia. Se arriscares o ridículo, se fores capaz de dar um salto no vazio, se não tiveres medo de, por exemplo, representar alguém que, num mundo sem gravidade, consegue escorregar numa casca de banana ao subir uma parede, ou um qualquer charlot a tentar dar um mortal invertido com uma daquelas bicicletas pré-históricas que têm uma roda enorme e outra mínima, se souberes ser tu próprio, se a tua alma tiver as toneladas de à-vontade necessárias para fazer o que realmente sabe que tem a fazer — nesse caso, sim, contra todas as previsões, podes muito bem conseguir.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Escrever música

Beck teve uma ideia redonda e feliz como um ovo de Colombo. O disco que vai lançar em dezembro não é um disco, é um livro. Música escrita, para pôr o mundo a tocar, a cantar, a desarrumar os lugares comuns. A malta da New Yorker já espreitou a novidade, e saiu isto.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Três Tímidos Telegramas

Para começar há que acabar com a austeridade stop Quem é que ainda não percebeu que assim não vamos lá ponto de interrogação stop Mesmo em termos puramente económicos o corte é contraproducente stop e stop já

A esquerda não se pode enclausurar no protesto abrir aspas patriótico fechar aspas stop Temos de falar como europeus na Europa stop Por uma Europa nova mais aberta mais justa mais democrática stop A luta tem de ser por mais Europa com mais democracia stop A Europa não é isto homens da regisconta a saírem do avião para dizerem aos nossos governantes o que fazer stop e stop já A Europa é outra história nós todos termos uma voz em Bruxelas maior do que milhões de aviões stop A Europa é agora é urgente é escolhermos que Europa enquanto europeus de corpo inteiro stop Sim ponto de interrogação stop Sim sim sim ponto de exclamação stop A luta da esquerda tem de ser mais sim stop

Meus amigos regressámos ao futuro voltou a política por favor não finjam que não veem stop Não stop

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A ditadura do dinheirinho

Assim havemos de ir longe. Cortar no conhecimento, no pensamento, no futuro, o que é que nos há de trazer? Como é que se sai deste buraco sem inteligência, digam-me por favor? Não só não se sai como quando, daqui a uns tempos, por um dos tais "milagres cíclicos", a crise voar para outro lado, o que nos restará será uma paisagem de terra queimada. 
Para quem ainda tivesse dúvidas, fica claro que afinal a tal "inovação" só cabe mesmo nos discursos para a fotografia. Como a cultura, que é importante para umas citações, para uns "eventos" lá fora, e basta. Mas não, não basta — se isto é um país e não apenas um terreno, não pode bastar.
O subtexto desta ditadura do corte é a ideia de que o dinheiro é o centro de tudo. Não o valor, nem sequer a riqueza, mas o dinheirinho. Tudo à volta é muito importante, sim, claro, como são importantes as flores e os bibelôs. Mas o dinheirinho é que é. Para esta maneira de ver o mundo, tudo o resto é decorativo. É mesmo assim que queremos viver?

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Jornal Local: tragicomédia

Jornal Local passou pela Calçada da Estrela e viu. As manchas de tinta vermelha e preta na parede da Assembleia da República são explosões tontas, teatrais, trágicas. Como se no corpo da democracia crescessem borbulhas em forma de flor.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Eudora

The Paris Review: Are there problems with ending a story?

Eudora Welty: Not so far
 
 
(The Paris Review — Eudora Welty, The Art of Fiction No. 47 — Interviewed by Linda Kueh)
 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Sobre uma fotografia de Arthur Leipzig

Então é isto o mundo? Como é possível? Não é nada, quase, e nada é mais quase belo. Não aguento mais ser só Deus só. Deus desço. Serei filho de mulher, um miúdo como outro qualquer, a riscar o chão, um homem no mundo, ou nada.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Um poema de Manuel António Pina



FAREWELL HAPPY FIELDS

                    I


Entre a minha vida e a minha morte mete-se subitamente
A Atlética Funerária, Armadores, Casa Fundada em 1888.
A esse sítio acorrem então, aflitíssimos, o teu vago sorriso
e a vaga maneira como dizes os esses;
vêm de muito longe e chegam incompletamente
ao pequeno vulnerável sítio entre
toda a minha vida e toda a minha morte,
quando a minha última recordação atirou já com a porta
e tudo está acabado até a tua respiração
na cama ao meu lado,
e também tu estás morta, 
duma forma que já não me importa.

Vamos então os dois outra vez
ao longo de certas ruas sombrias e de certos dias
e sorris e falas alto; está calor mas tens as mãos frias,
compramos coisas, visitamos
talvez algum último amigo
sem sabermos que eu já não estou vivo.

Poderia ter sido de outro modo?
Poderiam ter sido outras duas pessoas
vivendo a minha e a tua vida, morrendo a minha e a tua morte?
(Mesmo o armador, poderia ter sido outro?)
Aparentemente foi por pouco;
se fosse um pouco mais tarde ou um pouco mais cedo,
se eu não tivesse chegado a casa cansado,
se a louça não estivesse por lavar
e a janela da sala de jantar
não estivesse fechada, se o mundo não tivesse acabado,
nem tu tivesses ido ao supermercado,
e se eu não estivesse cheio de medo.

Agora estou voltado para cima,
para onde cantas ainda há muito tempo.
Se calhar isto (alguma coisa) vai demorar mas já não me impaciento.
Voltamos, tu e eu, ao mesmo jardim desflorido
onde eu morro sozinho
e conversamos comigo
como com um desconhecido.
Que diremos agora um ao outro?

É tarde. Ainda há um momento
me apetecia conversar, agora estou outra vez tão cansado!
Reparaste como o Outono este ano veio por outro lado,
como se fosse pelo lado de dentro?





(Do livro "Farewell Happy Fields", na coletânea "Poesia Reunida", de Manuel António Pina, ed. Assírio & Alvim)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Estado Neo







Quando um tom Estado Novo encontra o dogma neoliberal e tudo se embrulha num estilo que, se o assunto não fosse demasiado sério, poderíamos confundir com publicidade gato-fedorêntica, isso é: Estado Neo.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A arte em Portugal: interrogação, reticências, exclamação

A Cornucópia não sabe que teatro poderá fazer depois de dezembro, a Cinemateca não tem dinheiro para as legendas. Como é possível? Ao que isto chegou... Chega!

terça-feira, 9 de outubro de 2012

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Chumbo


Os jornais desportivos são demasiado meigos. No exame de ontem, a equipa do Benfica arrancou um humilhante chumbo. Mas, sim, a culpa não é dos jogadores. Do suplente Aimar ao titular Jardel, todos deram o máximo. Quem chumbou na Luz foram Luís Filipe Vieira e Jorge Jesus, que claramente não estão à altura dos cargos que ocupam. Força, Benfica!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Jornal Local: o L. do Largo

O L. não era um arrumador qualquer. Estacionava os automóveis a quem precisava de ajuda, cumprimentava as pessoas pelo nome, tinha um sorriso para os miúdos. Nunca disse a ninguém que carregava a merda de umas bolinhas no cérebro, e agora regressamos do verão para descobrir que morreu. O L. morreu, como é possível? De um dia para o outro, o Largo Bordalo Pinheiro desmudou-se em coisa nada. Deixou de ser um lugar e passou a ser só um espaço entre prédios. Palavra nenhuma. Mas o L. há de voltar, não tenho dúvidas, quando o mundo for a verdade o L. há de voltar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

1+1=!

Se juntarmos uma Secretaria de Estado da Cultura que se vê como um Departamento de Propaganda do "Governo de Portugal" a uma visão da literatura e das artes como mero escape de "comédia ligeira", só nos resta um ponto de exclamação, não? No duplo sentido de "vamos a isso" e "vão-se embora". Rua! Rua!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Um acelerador para a democracia europeia




O problema primeiro não é a moeda. A Europa precisa é de um acelerador de ideias. Partículas de ideias em várias línguas, chocando umas contra as outras, até se fazer luz. Chama-se democracia.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Jornal Local: o autocarro

Estacionado em frente ao Jardim do Príncipe Real, o autocarro tem escrita — na língua do turismo, com as cores da publicidade — a palavra "caos".

terça-feira, 3 de julho de 2012

Muita merda para esse Normal

Força para a Turma de Criação do Teatro Oficina, que hoje às 22h, a cores e ao vivo, tenta safar o meu textinho. Viva o mistério do sempre-nunca!

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Cartão de embarque

Acordo e estou num avião. A hospedeira pergunta-me se quero comer. Tem a boca vermelha e parece uma Kate Winslet desfocada, o que me faz pensar na minha mulher ou "ex-mulher". Título mais estranho para uma mulher tão séria e tão feliz. No sonho vou a caminho de Bruxelas para perguntar à presidente da União porque é que a Europa está a cair. "Deseja mais alguma coisa?" À quarta tentativa, consigo abrir a embalagem transparente, trinco o bolo. Um sabor a pomares de plástico sob longos céus parados. Acordo e estou num avião. A hospedeira pergunta-me se quero comer. Tem os dentes manchados de batom e isso traz-me à memória a minha namorada ou "amante". Se o termo não é muito antiquado, que a rapariga é assustadoramente jovem. Um grande plano fulminante, um flash na noite do quarto de hotel. A verdade é que, depois do divórcio, a nudez desta mulher quinze anos mais nova que eu perdeu todo o perigo. "Obrigado, muito obrigado." No sonho Lisboa é uma cidade arrasada por bombardeamentos aéreos e eu estou parado no que costumava ser uma rua ou uma praça a tentar perceber para que lado é o rio. Dentro do plástico transparente, o bolo castanho é um tumor. Quantas vidas estarão implicadas no facto disto estar aqui, à minha frente, em cima de um tabuleiro da cor do céu? Acordo e estou num avião. A hospedeira pergunta-me se quero comer. Quero comê-la, agarrá-la pelo rabo, morder-lhe o vermelho da boca, chupar-lhe a língua estrangeira até ela não ser mais do que um corpo, mas limito-me a fazer que sim com a cabeça. Pela janela, vejo os campos europeus, as casas, estradas, os rios, tudo diminuindo magnificamente. O raio de sol atravessa o avião como uma viga de ouro. Fecho os olhos. Não tenho ninguém a quem telefonar, ninguém no mundo inteiro, mas a Europa está salva e é uma União a caminho da felicidade. "Será que posso pedir um café?"



(conto escrito para o jornal A Cabra)                     

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Um poema de Luís Vaz de Camões



Na desesperação já repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
já não temia, já não desejava;

quando ũa sombra vã me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tão fermosa imagem, que o treslado
n'alma ficou, que nela se enlevava.

Que crédito que dá tão facilmente
o coração àquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!

Oh! deixem-me enganar, que eu sou contente;
que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glória já do que imagino.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sobre uma fotografia de Irina Rozovsky

Aqui é saudável, uma pessoa sente-se viva aqui. Não sei, mas acho que preciso de ar livre para organizar os pensamentos, é. Aqui sinto-me mais nova, como se ainda namorasse uma qualquer ideia futura de mim. Que ridículo. Mas é verdade, aqui sou uma ideia aberta ainda. Mexo os braços, sofro a brisa no vestido leve, de rapariguinha, ponho isto na boca, travo, sopro. Entre paredes, a minha cabeça é grande demais e toda fechada sobre si mesma. Aqui não. Quer dizer, aqui é que sim. Dentro deste ar puro — tanto oxigénio jovem que se perde inutilmente, gloriosamente —, dentro deste espaço livre as palavras ganham um sentido, uma direção. Aponto-as para ali, já está. As palavras aqui tornam-se opacas, fantasmas de ver, de tocar, quase. Sei exatamente o que quero. Deixem-me rir, peço desculpa. Tenho de rir, adoro vir para aqui quando há sol. É saudável, é fresco. Ideias frescas e boas! Se alguém se põe entre mim e o que eu quero, é melhor que tenha as rezas todas em dia, ah pois. Não é, meu amor?

terça-feira, 26 de junho de 2012

Jornal Local: o silêncio

No edifício das Finanças, na Rua dos Correeiros, abre-se a porta do elevador. Uma luz branca rasga o cinzentismo habitual do lugar. Jornal Local sofre por não ter uma máquina fotográfica. Do elevador, sai uma senhora de sessenta e tal anos, cabelo ralo, ar frágil, que usa uma canadiana para andar. Traz vestida uma camisola com grandes letras junto à cintura formando a palavra ANGEL.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Os Quais fora da caixa

Hoje, às 18.30h, na Fnac Chiado.
Sexta-feira, às 22h, na Fnac Vasco da Gama.
Sábado, às 18, na Fnac Colombo.

POP É O CONTRÁRIO DE POP

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Aulas de xadrez no balneário


Grande vitória, alta alegria. Estamos nas meias e agora é apontar lá para cima, para o canecão europeu. Mas, caros amigos, finais de jogo como o de ontem é que não. Aquela pequenez de acabarmos encostados às linhas a fazer tempo não é para nós, não é para quem gosta de bola, não e não. Aquilo, somado a um treinador que mete dois jogadores defensivos e ainda se põe, aflito, a apontar para o relógio, não é só triste e desonroso. É um falhanço estratégico, um erro crasso. Um campeonato destes decide-se jogo a jogo, pois, mas também nunca perdendo o horizonte. Como no xadrez, não se trata de ganhar só a jogada que temos à frente, há que pensar na disposição das peças para a jogada seguinte. E deixar que uma grande vitória feche a cortina assim, em clima de antijogo e ai-jesus, não é propriamente o melhor lançamento para o embate que aí vem... Pensemos antes no Nani do jogo com a Holanda, no Varela do jogo com a Dinamarca, no Cristiano de ontem. É apontar lá para cima, para o ponto mais alto de nós. Conseguimos mais uma bela vitória, sim. Agora só nos falta saber ganhar.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Reportagem 5



"Sabes, não há nada tão mau como ter remorsos em questões de arte." (Ingmar Bergman)

terça-feira, 19 de junho de 2012

Exmo. Presidente da Comissão Europeia

É bom a Europa ter voz e não ter medo das palavras. Mas não falta uma visão de futuro — uma política clara, no mínimo — que dê suporte a pancadas destas? Se o subtexto europeu de expressões como "how can I put it... unorthodox practices" é só a guerrinha de puxa-a-manta-descobre-os-pés entre austeridade e crescimento, a leitura de um episódio assim não será que o Presidente da Comissão Europeia está a fazer antijogo? Que o porta-voz europeu, não sabendo o que fazer da bola, se limita a chutar para a frente numa tentativa desesperada de ganhar tempo?

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Tecnocracia

"Aqui está o paradoxo por trás da 'liberdade de voto' nas sociedades democráticas: somos livres de escolher na condição de fazermos a escolha certa."

"A Grécia não é uma exceção. É um dos principais terrenos de experimentação para um novo modelo socioeconómico de aplicação potencialmente ilimitada: uma tecnocracia despolitizada, na qual banqueiros e outros especialistas são autorizados a arrasar a democracia. Ao salvarmos a Grécia dos seus supostos salvadores, salvamos também a Europa."




(Slavoj Žižek, na London Review of Books, 25 de maio)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

i-Errata

A propósito do disco dos Quais, sai uma entrevista minha hoje, no Jornal i. Está tudo muito bem, mas há duas gralhas chatas. Uma é logo no começo, quando falo de ter jogado à bola com o Chico Buarque. Como é óbvio, não disse que a culpa da derrota era do treinador Sérgio Godinho. Tenho muitos defeitos, mas não tenho esse de passar culpas para cima. É verdade que, apesar desse grande mister, perdemos por um golito contra o Brasil de Buarque de Hollanda. Mas, se continuarmos a trabalhar, domingo a domingo, ainda poderemos dar muitas alegrias à música portuguesa. 
Outro mal-entendido eletrónico tem a ver com filhos e canções. Não me comparei a nenhum filho de 32 anos. O que disse foi que as canções que não damos a conhecer publicamente, a certa altura, parecem filhos de 35 anos que ainda vivem em casa dos pais — filhos a quem apetece dizer, sai para o mundo, deixa esta casa para outras ideias, vai! Sambassaudadessim: Pop é o contrário de Pop.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A noite do caçador

Que se ponham a pau os "austeros" encenadores da crise europeia enquanto conto moral. É que, por vezes, a história ganha vida própria e depois é o diabo a sete. Como é que é o velho ditado, "pela moral morre o moralista"?


quarta-feira, 6 de junho de 2012

Jornal Local: a cadeira

Ali a chegar à esquina do Teatro, pela ruazinha que estranhamente se chama “Largo da Trindade”, uma mulher leva uma cadeira de escritório. As rodas mínimas fazendo um barulho nervoso na calçada. De repente a cadeira afasta-se da mulher, rola em direção a uma boca de incêndio. Por um momento, parece que vai levantar uma das pernas e mijar. O natural seria isso, seria isso o certo para aquela cena, naquele cenário. Mas, antes que tal aconteça, a dona puxa-a, ou empurra-a, e lá vai ela. Jornal Local guarda a imagem dentro da chuva molha-parvos. Está sempre cansada a cadeira, porque só sabe descansar.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sobre uma fotografia de Kosuke Okahara

Entre a terra e o céu, no mar de repente parado, o carácter japonês. É uma lição. Ensina-nos o que sempre soubemos mas sempre esquecemos: as palavras são coisas, são coisas as palavras.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Cidade Domingo

Estreia hoje a peça que escrevi para o Teatro Oficina. Sete mil e tal palavras em forma de cidade. Muita merda!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A ideia de uma bala em câmara lenta


Sou um otimista, pois, mas ele há dias em que as reuniões de "alto nível" na União Europeia só me lembram esta cena que Godard nunca chegou a filmar: "the routine of a troupe of clowns to illustrate the idea of a bullet flying in slow motion" (Richard Brody, na New Yorker).

terça-feira, 15 de maio de 2012

No meio da tempestade, de tichârte

Aprendi numa tichârte da Cotovia esta joia de Antonio Machado: "porque em amor/ loucura é o sensato". É talvez um bom conselho para a Europa, que, entre a atitude de "marido enganado" do centro rico e as desculpas de "infidelidade" das periferias pobres, parece presa num gigantesco mal de amor. É verdade que, na Grécia, Tsipras, o líder da coligação Syriza, joga um jogo perigoso no imediato, quando há apocalipses económicos anunciados todos os dias e os corretores de Londres já começaram a pôr o dracma nos ecrãs. Mas ainda é mais verdade que, nesta Europa de austeridade, tecnocracia e nevoeiro, a "loucura" do novo líder grego aparece como "sensatez". Alguém que, no coração da tempestade, tem a coragem de dizer o óbvio: nós somos europeus, não podemos nem queremos ser outra coisa, só que isto não é um caminho. Estamos todos no mesmo barco, e este é o momento em que a Europa se deve redefinir como espaço de solidariedade e democracia — para se tornar uma verdadeira união.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sou o gato que Alice

Sou o gato que Alice tem em casa, num cesto de maçãs sem maçãs. Um gato falso, pois, mas respiro de verdade. E o que aqui venho dizer, caros ouvintes, é que, miau, a minha dona já viu mais que vocês todos. Uma vida tão viajada que até me confundo a contar. Vacas preguiçosas no Círculo Polar Ártico, a hora de ponta na selva de Moçambique, civilizações antiquíssimas nuns metros quadrados em Alverca. A minha dona é viajada, sim, mas também é mulher. E como ela própria diz, “Deus fez o homem e descansou, fez a mulher e nunca mais descansou”. Ainda agora eu queria dormir e ela liga a televisão, de modos que se vos atiro estas palavras, caros ouvintes, é também a ver se consigo furar tanto anúncio, tanto ruído, tanta, perdoem-me, caca. Sim, caca. Respiro a sério e também produzo um ressonar de qualidade, mas não faço caca. Enfim. Além de dormir, gosto de sair por este Recolhimento de São Cristóvão, que é um lugar antigo por fora e muitissimamente novo por dentro. Um condomínio aberto, uma casa de casas, um labirinto até ao azul. Quando todas as mulheres dormem, brinco por aí como brinquedo que sou. (Digo “mulheres” mas sem mal. É como ensina Maria Aldina, “Ai não me tratem por ‘Dona’ nem ‘Senhora’. ‘Senhora’ é a que está no céu!”) No armário a que as pessoas daqui chamam “a capela”, finjo que sou um pássaro no Marvão de Maria José planando sobre alturas e funduras, toda aquela saudade de pedra. Finjo que sou um leão moçambicano escalando as pirâmides maias que Alice fotografou com os olhos. Finjo que sou um humano a atravessar as índias da memória de Cecília e, num instante, como quem muda de fuso horário, passo do português de Goa ao inglês do resto do mundo, “gerundiamently”, “etcétera e what”. Outras vezes ponho-me na marquesa da enfermaria, de patas para o ar, a brincar à doença dos nomes. Lourdes tem muito orgulho em ser Lourdes com “o-u”, Delfina foi sempre Delfina porque não há diminutivo para um nome assim, e Francisca não gostava nada quando, em miúda, lhe chamavam Chica, mas eu, miau, nem nome tenho, não tenho um nome, e gostava tanto. Que nome me dariam, queridos ouvintes, excelentes pessoas? Talvez pudesse ser Fellini, o que é que acham? É que às vezes, à noite, na varanda sobre Lisboa, entre as estrelas e os planetas mas um bocado ainda maior, vejo um piano fechado. Será grave? Maria do Carmo explica que está muito surda e que, um dia destes, põe mas é um aparelho nos ouvidos. Maria Aldina diz que, desde que lhe tiraram as cataratas, vê muito colorido mas também muita ruga. Eu vejo um piano sem cauda, moreno e manchado. Juro, é verdade. Sou um gato falso mas não minto. Um piano fechado no céu aberto a tocar canções iguais a mim. 


Jacinto Lucas Pires — com Alice Silva Gaveta, Cecília de Sousa, Maria José Carrilho, Francisca Pinheiro, Delfina Gonçalves Branco, Maria Aldina de Sousa, Lourdes Victorino e Maria do Carmo Santos (da Leitura Furiosa destes últimos dias)

sexta-feira, 11 de maio de 2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Jornal Local: o amor

Na saída da estação de metro da Baixa-Chiado, à boca de cena, o homem com a mão estendida, calado, a pedir dinheiro. Na sombra, de óculos escuros. A mulher avança com a vareta a bater no chão. Vem lá de baixo, lá do fundo, na direção dele. Meu Deus, vão chocar. Como aquele tímido antes de atender o telefone numa canção de Chico Buarque, o homem vira a cara, penteia-se. E não chocam, ou sim, chocam num beijo. Bom dia.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sublinhado Europa

No dia da Europa talvez o melhor seja ouvir um americano. Diz Adam Gopnik, na New Yorker de 7 de maio: "In thinking about Europe and its union, the number that one needs to keep in mind is not the rate of the euro exchange or the measure of the Greek deficit but a simpler one, of sixty million. That is the approximate (and probably understated) number of Europeans killed in the thirty years between 1914 and 1945, victims of wars of competing nationalisms on a tragically divided continent. The truth needs re-stating: social democracy in Europe, embodied by its union, has been one of the greatest successes in history. Like all successes, it can seem exasperatingly commonplace. There is something uninspiring about the compromises and the dailiness of a happy marriage, and something compelling about one that is coming apart: it looks more like the due fate of all things. Yet the truth ought to remain central."

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Soprar as velas do 25 de Abril

A revolução é voltarmos às praças, reinventarmos o espírito de cidade, retomarmos a conversa em nome do "todo", e de novo sem medo da palavra "amanhã". Mas fazer isso hoje. Mas fazer isso aqui, sem demora, que o tempo está cinzento, pesado.

O que nos deixa em casa, com a alma de pantufas, a ver dvd's em vez de ir ao teatro ou ao cinema é o mesmo pé-atrás que nos faz olhar para a política como o lugar "deles". Não pode ser, a política é o nosso lugar, o lugar do "nós". Para conjugar que desígnio, que país?

Esta versão de "democracia-wireless", composta por "cidadãos-ipod" cada um no seu cantinho, é a de uma democracia partida, sem futuro. A política é o lugar do "todo", e o "todo", como todos sabem — exceto talvez os governantes-contabilistas no poder aqui e na Alemanha —, é maior que a soma das partes. Temos de voltar às praças carregando ideias e esperança. Regressar ao futuro?

Bela lembrança, a da Tocha e do Júlio Oliveira, presidente da Junta de Freguesia, de celebrar o aniversário do 25 de Abril com uma conversa pública, seguida de festa. Muito obrigado pelo convite. Foi uma honra soprar as velas da revolução. ("Soprar as velas" tem mais que um sentido, e a minha ideia não era apagar o fogo mas ajudar modestamente esta nossa caravela a avançar para outros céus mais abertos.)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Metáfora 2

Debruçada sobre o muro do cemitério, distraída e prática, a mulher de faces rosadas deita as flores ao lixo.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Devia ser este o novo treinador do Benfica

Só um louco assim sábio para pôr em movimento as toneladas de mística do Glorioso: o Benfica de novo ao ataque. (Com o Rui Costa a presidente?)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Daqui faz-se um espetáculo de marionetas sem marionetas, só com mãos, na rua, em francês talvez,

ou um filme com o Al Pacino. Ou uma stand-up opera? Ou uma longa anedota lírica, um poema mortal e anti-musical? 



Ou nada, que isto basta. 


terça-feira, 17 de abril de 2012

Um poema de Alexandre O'Neill

O GORDO

É preciso o gordo
sua desopilação
seus refegos
sua nuca

O gordo e seu estorvo
seu pisar manso
seu hílare resfôlego
sua risadinha pregueada
sua pantufa cacilheira

É preciso
rotundamente
o gordo

Queremos ser
absolutamente
atravancados
pelo
gordo



(do livro "Dezanove Poemas", na coletânea "Poesias Completas", de Alexandre O'Neill, ed. Assírio & Alvim)

segunda-feira, 16 de abril de 2012

A solução para a crise europeia

Não haverá por Bruxelas nenhum Sir Humphrey em "open mode" capaz de pôr o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu, os Cidadãos da Europa, a ouvir esta lição de John Cleese? Larguemos a solenidade das coisinhas e comecemos sem medo a construir um tempo de ideias novas. John Cleese para Presidente da União, já!



(tirado daqui)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O teatro ou a vida

Na sala de ensaios, em Covas, pergunto ao teatro: aqueles momentos em que só sabemos repetir "isto não está a acontecer"?

Passadas umas horas, na estação de serviço de Pombal, a vida responde-me com um ponto de interrogação: isto, por exemplo?

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um batalhão de helicópteros transportando, virado para baixo, o maior espelho do mundo

Inspirados na ideia que, há uns tempos, Manuel João Vieira propôs para o amor-próprio de Lisboa, devíamos colocar um espelho gigante no Atlântico, no Mediterrâneo, na Rússia, no Céu, para que a Europa, caramba, se enxergasse.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sobre uma fotografia de Joel Sternfeld

A morte é uma cadeira livre, mas o homem faz de conta que não percebe. Finge com um estilo do caneco. Quando era novo, sabia o truque contra toda a dor, todo o erro, todo o mal. Fechar os olhos, abrir as narinas — e ver mulheres nuas. Corpos macios e elétricos como a voz de um blues. Quando era novo, via. Agora o máximo que consegue é pensar nelas. Os olhos nublados, mesmo que não os abra. Quer dormir mais um bocado, só mais um minuto. É ele o homem. O velho homem. Chegou ali, tem cem anos. Corpos macios e elétricos como pensamentos mortais. Passou tão rápido, meu Deus.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A secreta vida das plantas dos pés

A minha ideia de praia é uma esplanada ao pé do mar. É bom de vez em quando ir dar um mergulho, jogar um futebol, comer uma bola de berlim, mas ficar na areia, no tédio, ao sol, sem fazer nada, não, por favor. Ler também é uma boa safa, claro. Afinal de contas, ler é “fazer” uma coisa, é um movimento por dentro. Com um texto nas mãos, a areia já não é tédio, nem o sol é o pleonasmo chato de uma lâmpada acesa em pleno dia. Quem sabe, talvez tenha sido isso, não ter nem um livro para abrir, que me pôs a correr na praia nesse primeiro dia de férias.
    No começo da corrida tudo é novidade feliz. Até as pedras, pedrinhas, conchas e conchinhas de que temos de nos desviar ou aprender a pisar com a mistura certa de decisão e ternura. No começo, sabe muito bem o ar, o vento, a maresia. Não vou escrever nenhum poema sobre as maravilhas da nossa costa, estejam descansados, mas o facto é que uma pessoa se sente bem, livre e saudável. Por um momento, podemos apreciar o regular funcionamento das instituições do nosso corpo contente, pele, pulmões, coração... alma? Não sei, é como se corrêssemos dentro de uma embalagem de rhinomer. No bom sentido: cheios de água do mar isotónica no cérebro. Deve ser mais ou menos isso que os surfistas sentem, aquilo sobre o que cantam os Los Hermanos.
    Só que, algures entre o vigésimo oitavo e o vigésimo nono minutos, rompe-se uma corda de ar no cérebro e tudo muda. De um momento para o outro, é como se fôssemos expelidos, perdoem-me o verbo, da embalagem de rhinomer, para descobrir que a água do mar não é afinal isotónica mas 100% estéril. Estéril?! E aí o postal oh tão bonito começa a abrir rachas. Perguntas atrevem-se a espreitar-nos da espuma, do céu, das casinhas perdidas na falésia; perguntas fixando-nos, maliciosas, de todos os pontos da paisagem que ainda há pouco nos parecera tão bela e inocente. Perguntas como: para que fazes isto? Não seria melhor estar sentadinho com um livro à frente a beber grappa? O quê, porque faz bem, porque te faz sentir bem? Porque assim terás mais dias para poder estar sentadinho com um livro à frente a beber grappa? Mas isso está provado cientificamente? Já viste os dados, os números, os gráficos, as percentagens? Não seria melhor estudar bem essas provas antes deste esforço danado? Não seria melhor arranjar um lugar para ficar a estudar essas provas médicas bem sentadinho e com uma grappa storica ao lado?
    Triste não é ficar parado a correr contra o vento quando se dá meia volta para regressar, triste não é desistir a meio do percurso de regresso enquanto o nosso parceiro de corrida continua cheio de força até ao fim, triste não é o vento que como que nos embrulha os ossos de frio e nos desregula de ridículo as instituições internas, cabeça, coração e alma, quando voltamos a coxear. Triste é a nódoa negra na planta do pé. Culpa de uma dessas amorosas pedrinhas ou conchinhas, humilhante desculpa para os dias seguintes. “Queres vir correr?” “Ah, não posso. Pisei uma conchinha e fiquei com uma nódoa negra...”

terça-feira, 3 de abril de 2012

O estilista prático

Bruno César foi o herói do jogo com o Braga, claro. Mas Axel Witsel chutou aquele penálti para golo quando o mundo pesava todo sobre a bola.
O belga já tem um caráter inconfundível. Não há ninguém parecido com ele no futebol mundial. E não me refiro à cabeleira afro nem ao terço tatuado. Falo de futebol: o nosso europeu mulato é um bailarino tático, um tropicalista do ártico, um estilista prático. Com a bola no pé, o miúdo desenha parágrafos à Flaubert, mas, se é preciso, também é homem para arregaçar as meias e atirar-se hemingwaymente ao assunto, palavras simples, frases fortes.
É preciso resolver a grande penalidade? Witsel avança para o esférico como quem reza, e no instante seguinte a coisa está feita; o mundo leve rodando, preguiçando, nas redes.
Tenho um pressentimento que, em Londres, este nosso Peter Pan vai descoser-se da sombra e inventar outra história feliz para o Glorioso. Quem vota Witsel?

quarta-feira, 28 de março de 2012

Jornal Local: três mulheres

Uma mulher caída no passeio da Rua do Ouro. Pele clara, óculos escuros, o cabelo como que entornado na calçada. À volta dela, um grupo de pessoas tentando ajudar; de telemóvel na mão, um homem diz que vai ligar para o 112. Furando o sol de março, que silêncio de repente.
E, ao virar da esquina, na Rua da Vitória, uma rapariga sentada nas escadas da capela, de olhos baixos e auscultadores nos ouvidos. Nem de propósito, Jornal Local regressava da leitura de O Livro das Igrejas Abandonadas, de Tonino Guerra — pensamento interrompido pelo gesto da rapariga, que levanta os olhos, espantada.
Em frente a ela, como que em adoração, numa lentidão de fundo, doloroso amor, uma velha de gabardine benze-se. Um, dois, três. A rapariga da música na cabeça aguenta o olhar da velha durante um bom segundo, depois vira a cara. Sorri?

terça-feira, 27 de março de 2012

O dia da morte do teatro português

Richard Eyre tenta explicar aqui porque é que os melhores atores são ingleses. A conversa do “melhor” fica para outra altura, mas as razões que o encenador adianta são interessantes. A razão principal, diz ele, está no facto da Grã-Bretanha ser uma nação reprimida.
Portugal é reprimido de uma forma completamente diferente, mas talvez esteja também aí a explicação para haver por cá vários atores bons e alguns verdadeiramente grandes — apesar de, ao contrário do que Eyre diz sobre o seu país, não termos Shakespeare no ADN, nem um sistema forte e consistente de apoio público ao teatro, nem uma grande vocação ritualística. No máximo, teremos algum Gil Vicente no sangue. O cerimonial social parece resumido a uns passeios domingueiros, de bolsos vazios ou cheios de dívidas, pelos corredores brutalmente iluminados dos centros comerciais. E a visão do governo para a cultura é o que se sabe. Para pôr a coisa na linguagem em que a troika, o ministro das finanças e o primeiro-ministro pensam o mundo e a política: zero vírgula zero.
No New York Times, a acompanhar um artigo sobre a forma como a crise europeia está a levar a cortes nas artes, há uma fotografia de uma holandesa com um cartaz a dizer que investir na cultura é investir no futuro. Umas linhas abaixo o que se lê sobre Portugal é que, por aqui, foi abolido o ministério da cultura. É onde estamos, senhoras e senhores. Queremos ir, bem comportados e deprimidos, na cauda do comboio da austeridade, e de uma austeridade contraproducente ainda por cima — ou queremos o futuro?
Neste dia mundial, em vez de fazermos umas florzinhas para deixar na campa do teatro português, olhemos o problema de frente. Porque, sim, o cartaz holandês acerta no nó da questão. Em vez de abolir a cultura, devíamos tentar antes, como no poema de Sophia, abolir a morte. E, digam-me, como fazer isso sem literatura, música, cinema, dança, teatro?

segunda-feira, 26 de março de 2012

Antonio Tabucchi: dar a volta a este mundo

Escreveu sonhos de sonhos mas também das mais acordadas crónicas. Tinha ideias altas e pés no chão, uma voz e coragem. Era um escritor italiano, português, um europeu de corpo inteiro. Era não, é. Antonio Tabucchi não desapareceu, está só de viagem algures entre Lisboa e Roma, nesse avião que atravessa o tempo, à procura das palavras certas para dar a volta a este mundo.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Estou com a greve geral

Porque, contra esta triste Europa-excel, temos de reinventar uma Europa política, de ideias e futuro. Uma Europa que, para dentro, seja um corpo solidário e, para fora, uma voz clara e forte. 

Porque, para mudar este país de números e cortes e governantes-robôs que, perante todo o mal, só sabem repetir como o outro que daí lavam as mãos, temos de lutar.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Tonino Guerra

Ouço na rádio que Tonino Guerra morreu hoje, no dia da poesia, no dia das florestas. Há mil anos, quando havia um jornal chamado A Capital, escrevi isto sobre o mestre italiano: 

'...Ele é, para dizer a verdade, um caso à parte, mais um escritor de filmes do que propriamente um “argumentista”. Um poeta guardador de histórias que, quase por acaso, entrou no cinema e aí fez casa. Um fazedor de imagens de um tempo anterior ao da “era das imagens” que soube trazer silêncios e segredos para as narrativas do grande ecrã. E, nem é preciso dizê-lo, um importante autor por direito próprio.
O que não quer dizer que imponha a sua assinatura nos filmes em que colabora. Pelo contrário: se há algo que define a escrita para cinema de Tonino Guerra – ele que escreveu, sozinho ou em colaboração, obras-primas tão diferentes quanto “A Aventura” e “Blow Up” (de Antonioni) ou “Amarcord” (de Fellini) – é a enigmática transparência das suas construções e a forma generosa e sábia como ela se aproxima de universos tão distintos. A mestria de Tonino Guerra está aí e também naquilo que, na entrevista dada a Jorge Leitão Ramos para o Expresso, ele chama, modestamente (provocatoriamente?), “intervalos poéticos”.
A sua lição de “menos histórias prepotentes” deve ser escutada com toda a atenção, isto é, de olhos bem abertos. Como será possível, de novo, um cinema assim “moderno”, de espaços e entrelinhas e com o homem no centro?'

No dia da poesia

...estarei aqui a ler prosa. Misericórdia!


terça-feira, 20 de março de 2012

Jornal Local: o céu

Uma carrinha parada, com os quatro piscas, a bloquear o trânsito, na Rua da Silva. Dois polícias dobram a esquina em amena cavaqueira, despreocupados com questões terrenas dessas. Atrás da carrinha sem condutor, Jornal Local espera, abre a janela. O que é que se há de fazer? 
É tão estreita a Rua da Silva que os prédios de três, quatro andares, parecem subir até ao infinito. Um cheiro a salsa e escape; lençóis coloridos nas janelas como puros estandartes, emblemas de azul-atlântico, rosa-flor, amarelo-sol. Nesta viela-catedral, tudo nos atira para cima, até ao céu.
E, no final, mesmo antes do condutor regressar à carrinha abandonada em plena via pública, o céu responde. No ombro de um dos polícias, plim, o dejeto esbranquiçado, líquido, de uma pomba.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Um poema de Wang Wei

Para Wei Mu


Despreocupados, passeando pelas montanhas do Leste,
vemos crescer, entre nós, a erva da Primavera.
Em comum, homens com o azul nos olhos,
temos, no coração, uma nuvem branca.




(do livro "Poemas de Wang Wei", tradução de António Graça de Abreu, ed. Instituto Cultural de Macau)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Queres Ser Hamlet

Parece que o governo aconselha os cidadãos a procurar futuros fora do país... E se fizéssemos uma visita de estudo a Yale ?

quinta-feira, 15 de março de 2012

Escrever teatro

"A Tempestade deixa-nos limpos de imagens."


(Shakespeare: The Invention of the Human, de Harold Bloom)

terça-feira, 13 de março de 2012

O nosso Adalberto na televisão!

Depois do blá-blá-blá do autor, há um belo tchanã do ator.


Aqui ficam os nossos agradecimentos à ESECTV, com uma correção: Adalberto Silva Silva é uma criação de Jacinto Lucas Pires e Ivo Alexandre.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Esperança, esquerda, Europa

Comecei a ouvir o novo disco de Bruce Springsteen. Parece uma coisa à antiga, e isso é bom, com uns toques de agora, e isso não é mau. Mas, da música do autor de Glory Days, já quase gosto antes de ouvir. Há ali uma forma especial, maravilhosamente americana, de não precisar de sair de casa para ser aberto ao futuro. Um "bom coração duro" que é rock até na falta de pudor em dizer, com todas as letras, o que é certo e o que é errado, o que dói e o que anima e salva. Talvez o Barack Obama do segundo mandato tenha algo a aprender com este Wrecking Ball: a parte da dureza, do aqui-vai-disto, o lado "ação" sem o qual a "esperança" se torna retórica. E a nossa esquerda então...
Não há por aí uma voz que, resgatando o europeísmo no "dia d" da globalização, saiba afirmar uma Europa maior que esta tristeza de números, números, números? 

sexta-feira, 9 de março de 2012

Jornal Local: mudança

Na Calçada do Combro, a manhã sobe lenta. Gorros e manga curta, diferentes estações do ano, três ou quatro fusos horários passando à frente deste Jornal Local que daqui vos fala. O inverno leva um cão pela trela, a primavera empurra um carrinho de bebé desocupado. Pela velha Calçada, sol e o sentimento íngreme de março às nove da matina. Um miúdo negro desenrolando-se de um cordel que um miúdo branco segura na ponta; um homem de cócoras pintando a porta azul da pastelaria As Zebras do Combro. E, sobre isto tudo, a voz de borracha, de metal, de susto, de David Bowie: "Ch-ch-ch-changes!"

quarta-feira, 7 de março de 2012

O craque desconcertante


Na bancada do castigo Pablo Aimar não pôde, claro, liderar coisa nenhuma. E que falta fez ontem, quando era preciso inteligência e não nervoseira, alma em vez de ai-jesus, rasgo no lugar do cagaço. Seja como for, ganhámos, passámos. E agora, com o nosso maestro a comandar e com o hino das papoilas saltitantes bem afinadinho, podemos bater qualquer equipa do mundo. Não exagero: mesmo com problemas, mesmo com toda a crise, o Benfica é o Glorioso. E bota maiúscula nisso, não é, caro Bruno? A César o que é de César! Sim, sejamos justos com o nosso craque desconcertante. Foi bem esperto, e de uma esperteza macia, aquele chuto de Nélson Oliveira por entre as pernas russas para o segundo golo, e foi uma obra-prima de tropicaleuropeísmo o toque de calcanhar de Axel Witsel que assiste o primeiro 1-0 — mas, não há como fugir, o herói desta terça-feira de Luz chama-se Bruno César. Ele é careca, quase gordo, tem uma expressão carregada, um rosto a traço grosso que não parece desenhado para sorrir, e não joga à brasileira. E isso o que importa? Quando abre o livro, o homem faz história. Não viram ontem? Não, temos de olhar para lá do cromo. A verdade é que Portugal tem muito a aprender com o nosso Chuta-chuta. Se estamos em desvantagem, não é nem com lamentos nem com florinhas que vamos lá. Temos de querer com todo o querer, coração e cabeça, corpo inteiro, e no momento exato passar a bola a quem precisa.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Glorioso: não existem sinónimos

Depois do desconchavado apagão de sábado, a única saída para o Benfica é eliminar o Zenit sem espinhas e atirar-se à vitória na Liga dos Campeões. O Glorioso só pode ser o que é. Já lá diz o grande Rubem Fonseca (obrigado, Tomás), "Não existem sinónimos!" A glória é a glória é a glória. Ofereçam a braçadeira a Pablo Aimar e ponham-no a liderar a coisa a ver se não conseguimos todos os impossíveis e mais algum.