Amputado das suas asas, o anjo da história avança para o passado de bicicleta.
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sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
quinta-feira, 30 de março de 2023
Sobre uma fotografia de Jack Guez
O dia é a nossa bandeira. Somos maiores do que nós. As nossas vidas são aqui e agora e para sempre. A palavra desfraldada, uma casa de vento. O dia é a nossa bandeira.
sexta-feira, 3 de março de 2023
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Sobre uma fotografia de Sean Gallup
Que silêncio mais matemático, que escândalo mais azul, que sol tão frio. O princípio de uma história. Aquele instante suspenso, aquele quase antes do quê. Por outro lado, uma solenidade assim puxa a expectativa até um ponto perfeitamente inatingível, não é? Não, é como dizia o outro: uma piada infinita. O ponto de vista de Deus e o ponto de interrogação da Morte vão os dois passear. A dada altura, pergunta o segundo ao primeiro, "Nada?"
quarta-feira, 8 de abril de 2020
Sobre uma fotografia de André Kertész
A cada alma, a sua revelação. Sophia de Mello Breyner Andresen tirou a mesma exata fotografia e o que saiu foi: "O silêncio esculpia os volumes, recortava as linhas, aprofundava os espaços. Tudo era plástico e vibrante, denso da própria realidade." (O Silêncio, de Histórias da Terra e do Mar)
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
Sobre uma fotografia de Clay Benskin
O que é que queres dizer com essa luz? Para quê tanto estrilho? Para ser sincero, não estou a gostar disto. Tenho um mau, digamos, pressentimento. Ou talvez seja só fomeca. Não, não, tenho um sentimento de fome e um pressentimento de qualquer coisa mais espírita. O que é que se esconde nessas sombras? Para quê tanta bazófia, caramba? Mas, espera aí, não digas nada, deixa-me falar comigo: e se, debaixo da conversa fiada, está a grande palavra zero? Ei, tu. Os meus olhos falam, estás a ouvir? Como é que te chamas, como é que és conhecido nesta cidade, quem és, caramba, e por que não te mostras? Mas devagar, com toda a calma do mundo. Sem stress, sem s.o.s. Tenho um verso-gangster no bolso e posso tirá-lo a qualquer momento, estás a ouvir? Quem és, filho de uma grandessíssima, e o que queres de mim?
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
Sobre uma fotografia de Jack London
Acorda! Não sabes que o teu tempo já acabou? Já estamos no futuro. Chama-se Pós-Verdade. Já ultrapassámos os relógios, o pensamento e o contacto físico. Aposto que estás a sonhar a preto e branco. Vens da época em que tínhamos cheiro, não é? Nós estamos para lá de qualquer cheiro e qualquer ideia. Aqui, no país das imagens. Pois, não acabámos com a "vida abaixo do mínimo", nem com as "notórias quebras de saúde", nem com a "célebre ausência de pulsação", mas abolimos as palavras que valiam para isso tudo, o que vai dar mais ou menos ao mesmo. Acorda, acorda! Mal abras os olhos, vais desaparecer.
sexta-feira, 26 de maio de 2017
Sobre uma fotografia de Francesca Woodman (2)
O nome da flor, pesado contra a parede. Na casa monocromática a minha palavra é transparente demais. Não, não é isto que quero dizer. Retiro o que disse. Perdoem-me tudo daqui para a frente. A arte é aresta.
quarta-feira, 22 de março de 2017
Sobre uma fotografia de Joseph Eid
Aqui a ferida é a música. A música visível, um olho em ferida, um olho negro em ferida visível como música. Ouço e, enquanto ouço com o meu corpo todo, sou indestrutível. A ginástica filosófica que exige uma autêntica posição de escuta. Limpar tudo. Isto não é um cachimbo. Isto é o ponto de interrogação que fumo pensativamente livre de pensamentos, tralha, entulho, notícias. O mundo a ruir, a casa em osso, mas eu fico no meu lugar, no meu lugar de mim, enquanto a minha cara se retira musicalmente tornando-se um espaço em branco.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
Sobre uma fotografia de Ricardo Stuckert
O céu desce sobre nós na forma de um pássaro-peixe de lâminas, o céu rasgou-se para sair de si mesmo e revela o trovão que guardou durante tanto desde-sempre, e dentro desse bicho escuro parado no ar como um colibri há homens a olhar para cá, homens-do-céu dentro do colibri-do-céu apontando armas-de-olhos para nós, não temos medo mas temos uma força-frágil que nunca havíamos sentido antes, falamos sempre no plural porque somos um, um com este chão, este céu, este estar-vivo, e a nossa linguagem não é de falar nem de ver mas de escutar e tocar, isso oferecemos, não a roubem, estamos-silêncio, esperamos que o céu recupere bem desta ferida e regresse à sua calma certeza, ao seu velho silêncio, estamos com este momento à escuta, queremos silêncio, regresse o céu aos seus lá-em-cima de desde-sempre e caia o silêncio.
terça-feira, 29 de novembro de 2016
Sobre uma fotografia de Fred Lyon
São Francisco, cidade. Frases curtas como num policial. A minha arma é a minha luz. O mundo é cubista, não é verdade? E a alma é expressionista? Seja como for, tudo rima mais tarde ou mais cedo. Serei o herói acidental se fores a mulher fatal. Sim, tudo rima, não peço desculpa. Iô, kiddo. São Francisco é uma cidade como a nossa. Descidas íngremes, subidas doidas, pontes de interrogação. Páginas que se esquinam, automóveis em letra de imprensa. Gestos impressionistas? Surrealista é o próprio chão onde caminhamos. Somos livres dentro dos nossos nomes de código. São Francisco! São são são tantas coisas por dizer. Manda aí silêncio forte. Contra a luz, o mistério realista desta luz. Todo teu, não tenhas medo. Dispara.
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
Sobre uma fotografia de Daniel Berehulak
Procuro coisas felizes mas só encontro coisas más e queimo-as. Tenho medo de já ter passado os olhos, as mãos, por uma coisa feliz e não a ter reconhecido. Tenho medo de ter perdido essa capacidade, com tudo o que aconteceu, tudo o que vi entretanto, tudo o que não consegui impedir de entrar nos meus sonhos. Dormir é um ato tão essencial e tão desprotegido, tão exposto. Quero encontrar uma coisa que me mostre de novo como sonhar de olhos abertos, dono de mim. Quero voltar a reconhecer o mundo. Depois do desastre, não sei o que mudou mais, se a terra, se o nosso coração. Em miúdo, há uns dias atrás, eu encontrava tudo o que queria deixando-me ir despreocupadamente. Era superpoderoso nesse sentido. Distraía-me e achava. O meu corpo alimentava-se dos céus, das cores das casas, do rio, de pessoas especiais, tão diferentes de mim, e guiava-me com as perguntas certas. Inesperava-me em qualquer lado. Agora, depois da catástrofe, depois de ter visto tanta morte e sofrimento pior que a morte, tanta injustiça, tanto sem-sentido, tanto, não vou dizer a palavra, não porque tenha medo mas porque não quero dar ao outro lado a força que um nome desmultiplicado pode ganhar por si próprio, depois ter visto tanta imagem sem profundidade, sem resgate, depois de ter visto tanto mal, nada em mim parece ainda disponível para as frescas perguntas de quando eu era miúdo. Isto é, há dois ou três dias, há uma ou duas noites, antes da destruição se abater sobre este mais pobre dos lugares. Calo-me, busco coisas más para queimar. Talvez o fogo. Talvez o fogo, sim, ao contrário das histórias que nos contaram desde sempre os antigos e os livros dos antigos, talvez o fogo, o fogo que plantamos como flores imateriais sobre a água negra da noite interminável, talvez o fogo seja a coisa feliz que busco, que buscamos, vem comigo.
terça-feira, 19 de julho de 2016
Sobre uma fotografia de Josef Koudelka
Às vezes olho para o relógio não para ver as horas mas para ter a certeza que estou vivo aqui. Só podia viver numa cidade porque a cidade é muito mais aqui do que o campo. No campo não há horas, há estações e sinos e séculos, e isso para mim é demais. Sinto-me nu sem relógio no pulso. Um relógio tem de ser à antiga, de ponteiros, de dar corda de preferência. Estar vivo é estar de olhos abertos, cabeça aberta, corpo presente no tempo. Os meus olhos tiram fotografias para eu não me esquecer de cada aqui, por exemplo agora. Há um desenho em cada coisa, uma palavra em cada cruzamento, tudo brilha.
quarta-feira, 13 de abril de 2016
Sobre uma fotografia de Greg Wood
Vejo uma cruz, vejo um sinal de mais. Mas sei que há também uma ferida. A mulher negra contraria maravilhosamente o chão que cai. Um chão de vários azuis como o céu, e a mulher dizendo um W com a raquete. Qual será a pergunta: What? Who? When? Why?
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
Sobre uma fotografia de Bill Rauhauser
A notícia hoje sou eu. Os sonhos que ainda tenho para emoldurar. As memórias que ainda não se materializaram, tanta distância. Eu no meu corpo aqui. Se é verdade aquilo que se diz, que estamos neste mundo só de passagem, então as estações de comboios são os templos mais verdadeiros. Onde não há céus nem infernos, nem tenho de tirar o chapéu. Desde que seja o chapéu certo, claro. Para guardar melhor os pensamentos, que é como chamo a esta mistura de sonho e memória no tempo presente. Guardá-los quentinhos cá dentro. Todo o indizível debaixo de um chapéu branco. Hoje a notícia sou eu, uma primeira página só de silêncios. Este eu-homem magro curvado sobre a própria cabeça. Imagem tão fina, bem aberta nas mãos. E o pensamento nos trilhos desenhando curvas, desmanchando retângulos.
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Sobre uma fotografia de Konstantin Petrov
Atenção máxima às palavras, cuidado. Nada que possa vibrar nos vidros deste momento. Estamos dentro do momento. Todos os medos ainda bem arrumados. Estamos no cimo do monumento ao tempo que não volta para trás. Do lado de lá, o fogo pacífico do sol. Atenção máxima, proibida qualquer analogia. Que língua falávamos quando éramos assim novos?
terça-feira, 21 de julho de 2015
Sobre uma fotografia de Duane Michals
Isto não é uma fotografia e isto não sou eu. Isto não são as minhas mãos fazendo fantasmas de T's, dois T's, sobre o meu corpo sobre o sofá. Isto não é um sofá sobre um tapete voador pousado numa sala de estar. Isto não é estar, não é voar, isto não é Magritte. Isto não sou eu a fazer de fantasma do fantasma na pintura atravessando o bosque para a realidade como que atravessando da pintura para a sala de estar. Isto não é encenado para a câmara. Isto não sou eu e isto não é uma fotografia.
terça-feira, 10 de março de 2015
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
Sobre uma fotografia de Antonio La Grotta
A Europa só será se for política. E, para isso, é preciso espaço. É preciso podermos escolher, como europeus, que Europa queremos. Não há união possível se a estrada é de via única. Não, sem questionar, não teremos respostas, só raspanetes. Não teremos sonhos, só soluções. Não teremos memória, só memorandos.
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
Sobre uma fotografia de Vincent Yu
Ele é um Cristo virado para a terra. Grita como um rockeiro e, enquanto que a sua fúria parece romper-se de si mesma e poder a qualquer momento tocar a alegria, os rostos dos polícias são só negação. Ele atira palavras duras contra o chão e nós vemo-lo daí. De braços abertos, a voar baixinho, paralelo ao mundo. E, do seu passar, nascem grandes objetos verticais de arranhar os céus.
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