Acordo e estou num avião. A hospedeira pergunta-me se quero comer. Tem a boca vermelha e parece uma Kate Winslet desfocada, o que me faz pensar na minha mulher ou "ex-mulher". Título mais estranho para uma mulher tão séria e tão feliz. No sonho vou a caminho de Bruxelas para perguntar à presidente da União porque é que a Europa está a cair. "Deseja mais alguma coisa?" À quarta tentativa, consigo abrir a embalagem transparente, trinco o bolo. Um sabor a pomares de plástico sob longos céus parados. Acordo e estou num avião. A hospedeira pergunta-me se quero comer. Tem os dentes manchados de batom e isso traz-me à memória a minha namorada ou "amante". Se o termo não é muito antiquado, que a rapariga é assustadoramente jovem. Um grande plano fulminante, um flash na noite do quarto de hotel. A verdade é que, depois do divórcio, a nudez desta mulher quinze anos mais nova que eu perdeu todo o perigo. "Obrigado, muito obrigado." No sonho Lisboa é uma cidade arrasada por bombardeamentos aéreos e eu estou parado no que costumava ser uma rua ou uma praça a tentar perceber para que lado é o rio. Dentro do plástico transparente, o bolo castanho é um tumor. Quantas vidas estarão implicadas no facto disto estar aqui, à minha frente, em cima de um tabuleiro da cor do céu? Acordo e estou num avião. A hospedeira pergunta-me se quero comer. Quero comê-la, agarrá-la pelo rabo, morder-lhe o vermelho da boca, chupar-lhe a língua estrangeira até ela não ser mais do que um corpo, mas limito-me a fazer que sim com a cabeça. Pela janela, vejo os campos europeus, as casas, estradas, os rios, tudo diminuindo magnificamente. O raio de sol atravessa o avião como uma viga de ouro. Fecho os olhos. Não tenho ninguém a quem telefonar, ninguém no mundo inteiro, mas a Europa está salva e é uma União a caminho da felicidade. "Será que posso pedir um café?"
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