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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Foreign Correspondent: At the post office



The world is so platonic at the post office. People are always quiet, holding their faces like they’re holding a vase waiting for the flower. Only the flower never comes. Letters are not flowers anymore. Not even letters are letters anymore. They’re just packages, bills, flyers, postcards. Bills, mostly. Perhaps that’s a global fact, but in Portugal it is so much like that it becomes more than fact; it becomes a symbol. All that, I mean. Yes, post offices are probably the best places for a foreigner to get Portugueseness. Or not to get it in the most exact way. Among trees reflections and self-help books, a sort of untranslatable silence. A tepid, hospital-like, quietness, teared by electronic numbers (the ticket-service machine reciting 133, 134, 135, 136, 137), and nobody says anything, nobody gets mad, nobody bites one’s hat, nobody jumps on one’s hat. Quiet people, staring at infinity, dreaming about what?

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Correspondente Estrangeiro: Nas estações de correio


Nas estações de correio o mundo é tão platónico. As pessoas sempre caladas, a segurar as caras como quem segura uma jarra à espera da flor. Só que a flor nunca vem. Hoje as cartas já não são flores. Já não são cartas sequer. São só encomendas, faturas, publicidade, postais. Principalmente, faturas. Talvez seja um facto global, mas em Portugal isso é tão certo que é mais do que um facto, é um símbolo. Isso tudo, quero dizer. Sim, são talvez dos melhores lugares, as estações de correio, para um estrangeiro perceber o que é ser português. Ou não perceber do modo mais exato. Entre reflexos de árvores e livros de auto-ajuda, assim um silêncio intraduzível. Uma calma morna, hospitalar, atravessada por números eletrónicos (o conta-senhas declamando 133, 134, 135, 136, 137), e ninguém diz nada, ninguém se passa, ninguém come o chapéu, ninguém salta em cima do chapéu. Gente parada, de olhos no infinito, a sonhar o quê?

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Correspondente Estrangeiro: O pleonasmo da chuva

A sabedoria local diz que as praças de Lisboa não estão preparadas para a chuva. Mas a sabedoria local engana-se. Às vezes, de perto, não se consegue ver tudo. Com as suas calçadas de filme antigo, com as suas linhas desenhadas à mão, as praças lisboetas estão preparadíssimas para a chuva. Quem nunca pensou, ao atravessar o Camões ou a Praça da Figueira, que bem que ficaria isto com uma carga d'água em cima? Lisboa está mais que preparada para a chuva. O problema é quando a chuva começa mesmo a cair. 
O vagabundo gordo do Calhariz emagrece de imediato, o par de namorados torna-se ímpar tão juntinho debaixo do guarda-chuva, a senhora de saia é como uma lágrima negra que a praça vertesse canastrissimamente. De um momento para o outro, os lisboetas todos introvertidos, pensativos, poéticos, pingões. Que segredo traz a chuva? Dá ideia que, atrás da pedra das casas e do chão, alguma coisa se dissolve. Uma cidade feita para a água do mar, não para a água do céu. Mesmo os cavalos das estátuas se apoucam, desiludidos na escuridão.
Não, a chuva em Lisboa não tem nada de meteorologia, é um fenómeno mais para os lados do metafísico.
No minuto em que a água começa a desabar, aparecem vendedores de guarda-chuvas à porta das estações de metro, dos centros comerciais, das pastelarias. Homens morenos — sempre homens, sempre morenos — nascidos do alcatrão. Dizem que os guarda-chuvas são bons e baratos. Falam daquilo como quem fala de fruta ou doces. Guarda-chuvas de chocolate? Uma proteção tenrinha para a água divina. Mas, à saída do metro do Chiado, o vendedor deve estar com pouca sorte hoje. Paradão, como um bengaleiro estrangeiro na calçada portuguesa.
Debaixo da chuva, Lisboa estilhaçada; feita em mil minúsculas cidades de pernas para o ar nas poças de água. Um silêncio tão frio. Até que, da roda do táxi, salta uma onda gigante. Um guarda-chuva a esbracejar, uma sombra encharcada, um palavrão, e volta tudo ao mesmo. 
E o pior é que era totalmente desnecessária esta chuva. Continuam tão feias as manchetes desfocadas atrás dos plásticos no quiosque que a chuva é um acréscimo burro. A cidade estragada pelo pleonasmo. “Chover no molhado”, dizem os locais. E têm toda a razão.