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sexta-feira, 7 de julho de 2017
sexta-feira, 31 de março de 2017
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
domingo, 16 de março de 2014
Metade de nada
Escrevo isto duas oitavas abaixo, letra de voz cavernosa, tosse de cão. Depois de meses e meses a treinar, sou apanhado por uma avaria que me impossibilita de fazer a minha primeira meia-maratona. Uma coisa sem drama, sem dimensão, o que, de certa forma, torna tudo ainda mais irritante. Um vírus infantil, uma alergia adulta? Ou uma versão modesta do famoso síndrome 'ter medo de ser feliz'? O quê, miaúfa psicossomática? Sinto-me como uma das personagens secundárias de A Banda de Chico Buarque mas em acorde menor, a ver a coisa passar. Agora, posso garantir-lhe, mister. Quando esta outra coisa passar, lá estarei eu nos treinos outra vez, a correr para trás e para a frente, com as ideias todas muito descansadinhas em modo sonho. Para o ano, há mais.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Segredo
Correr no campo e correr na cidade são desportos diferentes. Correr em Lisboa, pelo menos, parece-me uma modalidade mais próxima das artes marciais ou da luta livre do que propriamente do fundo, meio-fundo. Bem me ensinava quem me ensinou: “Onde é que está o segredo do boxe? Nos pés!”
Nas manhãs de inverno é duro pôr a máquina-corpo a mexer. Os músculos frios, ensonados, distraídos a pensar em férias, camas, livros, lugares interiores. E a cabeça, pois, ainda demasiado leve para conseguir ser uma locomotiva convincente. Acabámos de acordar, estamos esvaziados de sonhos. O primeiro passo é tremendo. E o segundo, o terceiro, e os seguintes, até que o balanço valha por si. É difícil, duroduro. Mas o mais complicado talvez ainda seja romper a barreira de estranheza/ sensação de ridículo/ o quê? que há quando se corre fora dos locais próprios. As pessoas ocupadas que nos olham com olhos de pôr na ponta do nariz. As pessoas ocupadas que fingem não nos olhar com sobrancelhas iguais a corvos mesquinhos. As pessoas ocupadas em não fazer nada, olha a merda.
Ah sim, temos de nos desviar das prendas dos cães. E pedir licença na passadeira para atravessar. Mas vai, vai. Há que ser feliz e não ligar meia, ligar só às pequenezas mais verdadeiras, às mais altas almas, continuar em frente como diz a canção do Vasco Cardoso. Será que hoje cumpro a meia hora a que me propus? Será que em maio estou apto para a meia maratona, caramba? Isto de aprender a ser cota tem muito que se lhe diga. Mas não penses demais. Complicar é batota. Cala-te, vai. Cala-te e corre. “Onde é que está o segredo do boxe?”
quinta-feira, 5 de abril de 2012
A secreta vida das plantas dos pés
A minha ideia de praia é uma esplanada ao pé do mar. É bom de vez em quando ir dar um mergulho, jogar um futebol, comer uma bola de berlim, mas ficar na areia, no tédio, ao sol, sem fazer nada, não, por favor. Ler também é uma boa safa, claro. Afinal de contas, ler é “fazer” uma coisa, é um movimento por dentro. Com um texto nas mãos, a areia já não é tédio, nem o sol é o pleonasmo chato de uma lâmpada acesa em pleno dia. Quem sabe, talvez tenha sido isso, não ter nem um livro para abrir, que me pôs a correr na praia nesse primeiro dia de férias.
No começo da corrida tudo é novidade feliz. Até as pedras, pedrinhas, conchas e conchinhas de que temos de nos desviar ou aprender a pisar com a mistura certa de decisão e ternura. No começo, sabe muito bem o ar, o vento, a maresia. Não vou escrever nenhum poema sobre as maravilhas da nossa costa, estejam descansados, mas o facto é que uma pessoa se sente bem, livre e saudável. Por um momento, podemos apreciar o regular funcionamento das instituições do nosso corpo contente, pele, pulmões, coração... alma? Não sei, é como se corrêssemos dentro de uma embalagem de rhinomer. No bom sentido: cheios de água do mar isotónica no cérebro. Deve ser mais ou menos isso que os surfistas sentem, aquilo sobre o que cantam os Los Hermanos.
Só que, algures entre o vigésimo oitavo e o vigésimo nono minutos, rompe-se uma corda de ar no cérebro e tudo muda. De um momento para o outro, é como se fôssemos expelidos, perdoem-me o verbo, da embalagem de rhinomer, para descobrir que a água do mar não é afinal isotónica mas 100% estéril. Estéril?! E aí o postal oh tão bonito começa a abrir rachas. Perguntas atrevem-se a espreitar-nos da espuma, do céu, das casinhas perdidas na falésia; perguntas fixando-nos, maliciosas, de todos os pontos da paisagem que ainda há pouco nos parecera tão bela e inocente. Perguntas como: para que fazes isto? Não seria melhor estar sentadinho com um livro à frente a beber grappa? O quê, porque faz bem, porque te faz sentir bem? Porque assim terás mais dias para poder estar sentadinho com um livro à frente a beber grappa? Mas isso está provado cientificamente? Já viste os dados, os números, os gráficos, as percentagens? Não seria melhor estudar bem essas provas antes deste esforço danado? Não seria melhor arranjar um lugar para ficar a estudar essas provas médicas bem sentadinho e com uma grappa storica ao lado?
Triste não é ficar parado a correr contra o vento quando se dá meia volta para regressar, triste não é desistir a meio do percurso de regresso enquanto o nosso parceiro de corrida continua cheio de força até ao fim, triste não é o vento que como que nos embrulha os ossos de frio e nos desregula de ridículo as instituições internas, cabeça, coração e alma, quando voltamos a coxear. Triste é a nódoa negra na planta do pé. Culpa de uma dessas amorosas pedrinhas ou conchinhas, humilhante desculpa para os dias seguintes. “Queres vir correr?” “Ah, não posso. Pisei uma conchinha e fiquei com uma nódoa negra...”
No começo da corrida tudo é novidade feliz. Até as pedras, pedrinhas, conchas e conchinhas de que temos de nos desviar ou aprender a pisar com a mistura certa de decisão e ternura. No começo, sabe muito bem o ar, o vento, a maresia. Não vou escrever nenhum poema sobre as maravilhas da nossa costa, estejam descansados, mas o facto é que uma pessoa se sente bem, livre e saudável. Por um momento, podemos apreciar o regular funcionamento das instituições do nosso corpo contente, pele, pulmões, coração... alma? Não sei, é como se corrêssemos dentro de uma embalagem de rhinomer. No bom sentido: cheios de água do mar isotónica no cérebro. Deve ser mais ou menos isso que os surfistas sentem, aquilo sobre o que cantam os Los Hermanos.
Só que, algures entre o vigésimo oitavo e o vigésimo nono minutos, rompe-se uma corda de ar no cérebro e tudo muda. De um momento para o outro, é como se fôssemos expelidos, perdoem-me o verbo, da embalagem de rhinomer, para descobrir que a água do mar não é afinal isotónica mas 100% estéril. Estéril?! E aí o postal oh tão bonito começa a abrir rachas. Perguntas atrevem-se a espreitar-nos da espuma, do céu, das casinhas perdidas na falésia; perguntas fixando-nos, maliciosas, de todos os pontos da paisagem que ainda há pouco nos parecera tão bela e inocente. Perguntas como: para que fazes isto? Não seria melhor estar sentadinho com um livro à frente a beber grappa? O quê, porque faz bem, porque te faz sentir bem? Porque assim terás mais dias para poder estar sentadinho com um livro à frente a beber grappa? Mas isso está provado cientificamente? Já viste os dados, os números, os gráficos, as percentagens? Não seria melhor estudar bem essas provas antes deste esforço danado? Não seria melhor arranjar um lugar para ficar a estudar essas provas médicas bem sentadinho e com uma grappa storica ao lado?
Triste não é ficar parado a correr contra o vento quando se dá meia volta para regressar, triste não é desistir a meio do percurso de regresso enquanto o nosso parceiro de corrida continua cheio de força até ao fim, triste não é o vento que como que nos embrulha os ossos de frio e nos desregula de ridículo as instituições internas, cabeça, coração e alma, quando voltamos a coxear. Triste é a nódoa negra na planta do pé. Culpa de uma dessas amorosas pedrinhas ou conchinhas, humilhante desculpa para os dias seguintes. “Queres vir correr?” “Ah, não posso. Pisei uma conchinha e fiquei com uma nódoa negra...”
domingo, 1 de janeiro de 2012
Espalhar o frio
Nos primeiros três dias a corrida foi difícil, mas a história era simples. Encontrar um ritmo, ver onde pôr os pés, aguentar, aguentar. No final, a visão do diospireiro como um troféu secreto, indizível, só para mim. No quarto dia, depois de ter lido The Runner de Don DeLillo, é que a história mudou. Não que o conto me tivesse perturbado excessivamente. O mundo cá fora é que, de repente, se tornara mais denso, mais misterioso, como se as coisas existissem agora para ser lidas; o mundo mais sábio. (Bonito esse título em português, O Corredor. Aquele que corre mas também o caminho que percorremos numa casa à noite, por exemplo, a tatear paredes à procura de uma luz.) Ao quarto dia, a corrida como um exercício do corpo inteiro, cabeça incluída.
O sino da igreja respondendo ao ladrar dos cães; o cheiro da erva molhada contra o azul limpo do céu; o cantar estúpido dos galos sobre os arbustos sem nome. Na casa branca do lado de lá da estrada, uma velha de negro espera não sei o quê no cimo das escadas, em frente à porta.
Quando dou a segunda volta, vejo-a bater de novo, truz-truz. Nada. A velha recolhe o braço, suspira, “Oh caralho...” Uma velha minhota totalmente derrotada.
O ar mais frio quando passo junto ao muro de pedra; a sombra de uma cabeça deslizando nas alfazemas, a personagem do homem que corre sofrendo sonhos esverdeados, acinzentados, violeta.
A. vem a descer para tratar de algum assunto prático relacionado com couves galegas. “A espalhar o frio?” pergunta-me.
“É isso”, digo, como se fosse preciso responder.
O som demasiado puro, digital, dir-se-ia, do canto dos pássaros; não os vejo, mas ouço-os à conversa de uma árvore para outra, ti-ti-ti-ti, estudando versos de sete, oito, quatro sílabas.
Nos cinco metros da última subida, perco uns cinco minutos de ar, mas acabo por chegar lá cima. Corro até ao tanque e regresso; olho para o relógio, paro. De bofes de fora, não é assim a expressão?, admiro o diospireiro na leira de baixo. A árvore nua carregada de bolas pequenas, pesadas; bolas de bilhar pintadas de cor de laranja; um símbolo grandioso contra todo o fim. Quando olho para a casa branca, a velha desapareceu.
Terá regressado pela berma da estrada, de mãos a abanar? Uma figura de preto contornando o terreno das tangerineiras, olhando sem interesse o cão dos vizinhos, passando demasiado devagar pelo cemitério. Não, não, que eu já li o The Runner. O que acontece é totalmente outra coisa. A esta hora a senhora senta-se na cozinha a beber uma sopa quente, pensando em batatas ou na iluminação que este ano o padre escolheu para a igreja ou no preço de uma viagem a França ou na riqueza que é ainda ter dentes para trincar uma batata que não se desfez ao lume, um bocado de cenoura mal cozida, o caule da couve, distraída da morte.
O sino da igreja respondendo ao ladrar dos cães; o cheiro da erva molhada contra o azul limpo do céu; o cantar estúpido dos galos sobre os arbustos sem nome. Na casa branca do lado de lá da estrada, uma velha de negro espera não sei o quê no cimo das escadas, em frente à porta.
Quando dou a segunda volta, vejo-a bater de novo, truz-truz. Nada. A velha recolhe o braço, suspira, “Oh caralho...” Uma velha minhota totalmente derrotada.
O ar mais frio quando passo junto ao muro de pedra; a sombra de uma cabeça deslizando nas alfazemas, a personagem do homem que corre sofrendo sonhos esverdeados, acinzentados, violeta.
A. vem a descer para tratar de algum assunto prático relacionado com couves galegas. “A espalhar o frio?” pergunta-me.
“É isso”, digo, como se fosse preciso responder.
O som demasiado puro, digital, dir-se-ia, do canto dos pássaros; não os vejo, mas ouço-os à conversa de uma árvore para outra, ti-ti-ti-ti, estudando versos de sete, oito, quatro sílabas.
Nos cinco metros da última subida, perco uns cinco minutos de ar, mas acabo por chegar lá cima. Corro até ao tanque e regresso; olho para o relógio, paro. De bofes de fora, não é assim a expressão?, admiro o diospireiro na leira de baixo. A árvore nua carregada de bolas pequenas, pesadas; bolas de bilhar pintadas de cor de laranja; um símbolo grandioso contra todo o fim. Quando olho para a casa branca, a velha desapareceu.
Terá regressado pela berma da estrada, de mãos a abanar? Uma figura de preto contornando o terreno das tangerineiras, olhando sem interesse o cão dos vizinhos, passando demasiado devagar pelo cemitério. Não, não, que eu já li o The Runner. O que acontece é totalmente outra coisa. A esta hora a senhora senta-se na cozinha a beber uma sopa quente, pensando em batatas ou na iluminação que este ano o padre escolheu para a igreja ou no preço de uma viagem a França ou na riqueza que é ainda ter dentes para trincar uma batata que não se desfez ao lume, um bocado de cenoura mal cozida, o caule da couve, distraída da morte.
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