sexta-feira, 28 de março de 2014

Instituto Português do Mar e da Atmosfera

E depois, entre os barcos, há aquilo. Aquela grande coisa branca chamada Noruega. Como que pousada sobre a superfície escura da água, aquela coisa apenas branca transportando o título INSTITUTO PORTUGUÊS DO MAR E DA ATMOSFERA. Carregando a carga magnífica desse título com a maior das calmas. Uma coisa branca e verídica no rio Tejo. Um branco que não é o das lágrimas salgadas de Pessoa, nem o da cal dos silêncios de Sophia, um branco de gelo mesmo. Na ponta da cidade, um icebergue, e nós continuamos a tocar violino. 

quarta-feira, 26 de março de 2014

Postal de subir a rua

Sobre os lacrimejantes, nem vale a pena falar. Sobre os cerebrais, sim. São uma fraude. 

Chamam-lhes abstratos mas isso oh é dar mau nome ao abstrato. 

Abstratos somos nós que sabemos que não há nada mais exato direto real do que, de repente, um — por exemplo, gesto — na vida.

Ontem, ao subir a Rua do Alecrim, vi um S junto às palmeiras. Um S maiúsculo e mesmo grande, vermelho, pop, prestes a entrar em movimento. Esqueçam os vossos adjetivos e toda a vossa meta-esperteza de bolso. Arte poética é subir a rua, senhores.

Não, nós não estamos entre esses e aqueles. Estamos à frente. Se, por acaso, uma coisa dessas desses daquelas daqueles nos cai nas mãos o que não podemos deixar de sentir é um atraso no nosso regresso ao futuro, um atraso que é demais, que não se aguenta, que é tão triste.

Isto está um pântano. Vamos fazer um rio que lave esta merda toda. Um arranha-céus profundíssimo, um foguetão com os pés nos chão. Vamos fazer outra palavra, um movimento, recomeçar o Novo. Isto está irrespirável, chato, mole. Sejamos duros e de alegria.

Que se foda a felicidade das revistas de fim de semana. Queremos é mudar o mundo, torná-lo sim para sempre.

Inteligentes que não se mexem só artistam para a conta bancária. 

Ocupemos a praça pública com o escândalo da beleza, o escândalo que é ter os olhos abertos. Temos medo e não, porque trazemos perguntas antimorte, piadas parvas, uma falta de noção musicalmente indestrutível em relação a tudo o que de verdade não interessa a ponta dum corno.

No sol e na noite somos feitos de teatro, coisa mais verdadeira.

Como o S de sim se põe em movimento — palmeiras, automóveis, pop expressionista abstrato no concreto do Alecrim sob uma tira de sol de março, fins de — também nós.

E quando tivermos de fazer uma pausa, façamo-la sem itálicos.

Pausa.

Sim, claro, tu és dos nossos. 



terça-feira, 25 de março de 2014

Jornal Local: gémeos

No passeio da Avenida 24 de Julho, dois sessentões magros, grisalhos, carecas, de óculos e barba, gémeos. De calças beges, iguais, e casacos idênticos, tipo montanhismo-moderno. Jornal Local testemunha: foi só isto. Quando dobram a esquina, desaparecem.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Jornal Local: homem novo, homem velho

Um homem de cabelo claro, caracóis, roupa modesta, no Largo Camões. Um velho aparece por trás e prende-lhe o cachaço com uma mão. O tipo mais novo diz alguma coisa que não se ouve, com uma expressão que se vê logo ser de ironia. Espreita pelo canto do olho tentando perceber quem o prende. O velho aguenta-o preso ali, em público, durante uns três segundos eternos. (Jornal Local estava lá a cronometrar.) Depois larga-o como se não fosse nada, diz alguma palavra de circunstância. Em resposta, o tipo mais novo levanta o folheto que tinha na mão e bate com ele na testa do velho. O velho sorri mas não se vira. A amizade é uma coisa mesmo bonita.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Contagem decrescente para dia 4 de abril

Interpretação
de Jacinto Lucas Pires para Tiago Rodrigues
Um espetáculo do Mundo Perfeito
     EPA/LUSA – Christophe Karaba (pormenor)


Texto Jacinto Lucas Pires Encenação e interpretação Tiago Rodrigues 
Grupo coral Coro Sinfónico da Escola Superior de Música de Lisboa 
Desenho de luzes Thomas Walgrave Apoio coreográfico Mafalda Deville 
Cenário, adereços e figurinos Magda Bizarro e Tiago Rodrigues 
Direção de produção e fotografia de cena Magda Bizarro 
Assistência de produção Rita Mendes Produção Mundo Perfeito 
Coprodução Culturgest


Alegria Estatística

Em 2009 41,8%
da população da União Europeia vivia num apartamento
34,4% numa habitação unifamiliar
e 23% vírgula nada
numa casa geminada

Casas geminadas é mais Países Baixos, Reino Unido e Irlanda
Apartamentos é mais na Letónia, na Estónia e em Espanha

Mais de um quarto do povo europeu
vive sob um empréstimo ou uma hipoteca
não tem nada a ver mas Portugal é dos últimos
no ranking do uso da bicicleta

Falando de coisas sérias
o salário mínimo na Europa
varia entre 123
e 1758 euros brutos por mês

No PIB per capita a Alemanha está aí
uns 22 pontos acima da chamada euromédia
Mas em 2010 a menor taxa de suicídios
foi registada na Grécia

Num ano inteiro, neste nosso país
houve 0.8 espetadores
de espetáculos ao vivo por habitante
não é assim muito brilhante

Mas o que importa não é a quantidade
é a possibilidade e investimento nos amanhãs
e, a propósito, importámos
56.234 coxas de rãs

Letra de Jacinto Lucas Pires para o Hino da Alegria
(também Hino da União Europeia) de Beethoven


Playwright and novelist Jacinto Lucas Pires and theatre maker Tiago Rodrigues have both presented their work at Culturgest (where they actually met). Now, Jacinto writes for Tiago to direct and perform, sharing the stage with a symphonic choir. Interpretação is a light tragedy about an interpreter who makes a translation mistake at the European Parliament and throws the EU in a political crisis as well as himself in a quest for identity.  
© 2014 Culturgest

SEX 4, SÁB 5 DE ABRIL
Grande Auditório
21h30 · Duração: 1h00
15€ · Até aos 30 anos: 5€
M12

Informações e reservas
21 790 51 55

quarta-feira, 19 de março de 2014

Mais europeias

Embora antitroika como Pacheco Pereira e federalista como Paulo Rangel, acho que aqui nenhum dos dois tem razão. Mas é deste tipo de discussões que precisamos no debate das europeias.
Os sinais são quase todos de sentido de contrário, bem sei. Da composição das listas à falta de discurso europeu dos partidos, das escolhas da comunicação social aos folhetins do "consenso", tudo concorre para que estas sejam "só mais umas" eleições. Cada um preocupado apenas com o seu quintal eleitoral, falando da Europa como se fosse uma coisa lá fora, que outros devessem tratar por nós, discursando para sondagens, não para pessoas.
Ainda estaremos a tempo de mudar isto? Se não podemos deter um comboio em movimento, pelo menos podíamos levá-lo a passear pelo campo das ideias, não? 

terça-feira, 18 de março de 2014

Estava escrito

O homem caminhava sobre a frase. Era espantoso, claro. Mas também estava escrito que havia de acontecer.
Um dia, distraído, tropeçou numa vírgula e ponto final.

domingo, 16 de março de 2014

Metade de nada

Escrevo isto duas oitavas abaixo, letra de voz cavernosa, tosse de cão. Depois de meses e meses a treinar, sou apanhado por uma avaria que me impossibilita de fazer a minha primeira meia-maratona. Uma coisa sem drama, sem dimensão, o que, de certa forma, torna tudo ainda mais irritante. Um vírus infantil, uma alergia adulta? Ou uma versão modesta do famoso síndrome 'ter medo de ser feliz'? O quê, miaúfa psicossomática? Sinto-me como uma das personagens secundárias de A Banda de Chico Buarque mas em acorde menor, a ver a coisa passar. Agora, posso garantir-lhe, mister. Quando esta outra coisa passar, lá estarei eu nos treinos outra vez, a correr para trás e para a frente, com as ideias todas muito descansadinhas em modo sonho. Para o ano, há mais.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Constituição da Alegria

Artigo 1º

1. A Alegria começou, vai começando, começa.

2. A Alegria é viva, não se limitando, porém, ao tempo que dista entre a data do nascimento e a data da morte do titular em questão.


Artigo 2º

Os titulares da Alegria são eu, tu, ele, nós, vocês, eles. A questão tem um ponto de interrogação.


Artigo 3º

Sem prejuízo do estabelecido na parte final do número 2 do art.1º, a Alegria é agora.


Artigo 4º

A Alegria também é:

a) Não moral, mas espiritual.
b) Não social, mas política.
c) Não solitária, mas só.


Artigo 5º

Na definição do que é objeto de Alegria, segue-se o princípio in dubio pro.


Artigo 6º

A Alegria é livre e não pode ser presa em letra de lei, letra de fôrma, letra de dívida. Abre-se uma exceção, em casos únicos e seguindo o critério agudíssimo do chamado ouvido interno, para a letra de canção.


Artigo 7º

A Alegria é um bem móvel, imóvel, não sujeito a registo, sujeito a sujeito, caso a caso, sem exceções.


Artigo 8º

Novos artigos podem ser acrescentados todos os dias. Hoje está sol.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Esse espírito de nudez



(tirado daqui)

Sobre uma fotografia de Sam Mahl

Ele está dentro da cabeça dele. Ela está no mundo. Mas o mundo tem grades e cinzentos. Dentro da cabeça é tudo a preto e branco. Há cinzentos também, talvez, mas são menos duros. O homem é um pensamento de mãos nos bolsos. A mulher traz uma ideia à volta do pescoço. Uma ideia sem palavras. Uma, não sei como é que se diz. Uma branca.

terça-feira, 11 de março de 2014

Os amanhãs que cantam

chegaram. Também em português devíamos ter o descaramento de ser assim misturados e genuínos, não acham?

sábado, 8 de março de 2014

Ensaio

Se a música é o movimento a pensar e a literatura é o pensar em movimento, o que é falar na rádio?
Bela conversa ontem com o Mário Laginha, no programa Ensaio Geral da Maria João Costa, na Rádio Renascença.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Bonito

o Público de hoje, com Adriana Calcanhotto como diretora.
Mas porque é que o jornal não pode ser mais assim todos os dias?