Richard Eyre tenta explicar aqui porque é que os melhores atores são ingleses. A conversa do “melhor” fica para outra altura, mas as razões que o encenador adianta são interessantes. A razão principal, diz ele, está no facto da Grã-Bretanha ser uma nação reprimida.
Portugal é reprimido de uma forma completamente diferente, mas talvez esteja também aí a explicação para haver por cá vários atores bons e alguns verdadeiramente grandes — apesar de, ao contrário do que Eyre diz sobre o seu país, não termos Shakespeare no ADN, nem um sistema forte e consistente de apoio público ao teatro, nem uma grande vocação ritualística. No máximo, teremos algum Gil Vicente no sangue. O cerimonial social parece resumido a uns passeios domingueiros, de bolsos vazios ou cheios de dívidas, pelos corredores brutalmente iluminados dos centros comerciais. E a visão do governo para a cultura é o que se sabe. Para pôr a coisa na linguagem em que a troika, o ministro das finanças e o primeiro-ministro pensam o mundo e a política: zero vírgula zero.
No New York Times, a acompanhar um artigo sobre a forma como a crise europeia está a levar a cortes nas artes, há uma fotografia de uma holandesa com um cartaz a dizer que investir na cultura é investir no futuro. Umas linhas abaixo o que se lê sobre Portugal é que, por aqui, foi abolido o ministério da cultura. É onde estamos, senhoras e senhores. Queremos ir, bem comportados e deprimidos, na cauda do comboio da austeridade, e de uma austeridade contraproducente ainda por cima — ou queremos o futuro?
Neste dia mundial, em vez de fazermos umas florzinhas para deixar na campa do teatro português, olhemos o problema de frente. Porque, sim, o cartaz holandês acerta no nó da questão. Em vez de abolir a cultura, devíamos tentar antes, como no poema de Sophia, abolir a morte. E, digam-me, como fazer isso sem literatura, música, cinema, dança, teatro?
Portugal é reprimido de uma forma completamente diferente, mas talvez esteja também aí a explicação para haver por cá vários atores bons e alguns verdadeiramente grandes — apesar de, ao contrário do que Eyre diz sobre o seu país, não termos Shakespeare no ADN, nem um sistema forte e consistente de apoio público ao teatro, nem uma grande vocação ritualística. No máximo, teremos algum Gil Vicente no sangue. O cerimonial social parece resumido a uns passeios domingueiros, de bolsos vazios ou cheios de dívidas, pelos corredores brutalmente iluminados dos centros comerciais. E a visão do governo para a cultura é o que se sabe. Para pôr a coisa na linguagem em que a troika, o ministro das finanças e o primeiro-ministro pensam o mundo e a política: zero vírgula zero.
No New York Times, a acompanhar um artigo sobre a forma como a crise europeia está a levar a cortes nas artes, há uma fotografia de uma holandesa com um cartaz a dizer que investir na cultura é investir no futuro. Umas linhas abaixo o que se lê sobre Portugal é que, por aqui, foi abolido o ministério da cultura. É onde estamos, senhoras e senhores. Queremos ir, bem comportados e deprimidos, na cauda do comboio da austeridade, e de uma austeridade contraproducente ainda por cima — ou queremos o futuro?
Neste dia mundial, em vez de fazermos umas florzinhas para deixar na campa do teatro português, olhemos o problema de frente. Porque, sim, o cartaz holandês acerta no nó da questão. Em vez de abolir a cultura, devíamos tentar antes, como no poema de Sophia, abolir a morte. E, digam-me, como fazer isso sem literatura, música, cinema, dança, teatro?
Não se conhecem as circunstâncias da morte de Gil Vicente. No último período da sua vida não lhe terá sido perdoada a forma como descrevera, nos seus Autos, a sociedade que tão bem conhecia. Ter-se-ão assanhado contra ele Frei Paços e quejandos. Após o seu desaparecimento, foram seus filhos que reuniram o que foi possível do seu espólio literário. A Inquisição proibiu e destruiu esse material. Foi preciso deixar passar tempo (alguns séculos) para localizar exemplares em bibliotecas estrangeiras. Afortunadamente podemos hoje tomar conhecimento do que sobrou de todo este processo. António José da Silva, o Judeu, homem de teatro e cultor da poesia possível na época, foi, por razões que não são muito claras, um dos indivíduos mais perseguidos pela Inquisição, acabando por ser levado ao garrote e à fogueira. Não será que, no sangue de quem coarcta a nossa expressão artística, há algo do ADN dos inquisidores do passado?
ResponderExcluirCarlos, que bom vê-lo por aqui! Quanto à sua ideia, receio que a coisa não seja assim tão simples. E, também por isso, a nossa luta tem de ser nova, com outra inteligência, outra imaginação. Mas o seu comentário põe o dedo na ferida: sem teatro, quem fará as perguntas difíceis? Um abraço
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