quarta-feira, 28 de junho de 2023

A comunicação social parece andar a sofrer disto: síndrome da toupeira de proporções gigantescas

"Uma toupeira de proporções tão gigantescas é com certeza uma singularidade, mas não se pode exigir para ela uma atenção permanente do mundo inteiro (...)".



("O mestre-escola de aldeia", Franz Kafka, trad. Álvaro Gonçalves, ed. Livros do Brasil) 

terça-feira, 27 de junho de 2023

quarta-feira, 21 de junho de 2023

É ir a correr até à Sociedade Nacional de Belas-Artes e depois ficar por lá com todo o tempo do mundo

A exposição "metamorfoses", de Ilda David' (curadoria de Nuno Faria), é uma maravilha. Pintura que é escultura, escultura que é pintura, e uns bordados altos que são misteriosíssimas bandeiras. Hei de lá voltar.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Para ouvir

Estas palavras vão com a Maria, no Cunene, a caminho da água. Nunca foi à escola, a mãe dizia-lhe para tomar conta dos irmãos. Caminha, com uma criança às costas e uma tina de água equilibrada na cabeça. Às vezes, tem de parar para beber. 

    Quando foi a revolução em Portugal, havia muitos brancos a vir para a metrópole (dizia-se assim, “metrópole”), e ela veio também. Era nova, tinha a ideia de que aqui as ruas eram brilhantes. Imaginava-se a andar em cima de um espelho. Afinal, ficou num hotel em frente à estação. Trabalhou nas limpezas, e acordava às cinco da manhã, mas era melhor trabalhar fora do que em casa. Fora, pagam; em casa, como não temos a chefa a ver do pó em cima das coisas, vamos adiando. 

    A Daniela é o contrário. Está em casa e não pára. A família diz-lhe que não sabe descansar. Um dia, foi a pé do Alto do Lumiar até Santo António dos Cavaleiros. Esta frase segue atrás dela, tenta apanhá-la. Parece uma menina, mas já tem uma filha com treze anos. Aprendeu a ler em Angola, só que foi esquecendo e agora está a recomeçar. Tenta ler os letreiros no autocarro. Quer trabalhar como doméstica ou num restaurante; precisa de contrato para ter o papel da residência. A filha já tem, ela não. 

    

    O Gil chega, apresenta-se e, de repente: “A D. Maria vivia onde?” Os dois olham-se, silêncio. Descobrem que eram vizinhos há vinte e tal anos, na Quinta Grande. “Eu vivia na Rua da Esperança!”, diz o Gil. “O meu pai era o Picasso.” Pausa. “Era o Picasso porque era um artista!” E depois explica o erro da reabilitação: destruíram os bairros e separaram as pessoas. Nos prédios, as pessoas morrem e ninguém sabe. A D. Maria, que agora já é a Tia Maria, diz que o mundo está pior. A Daniela confirma: de pernas para o ar. O Gil diz que, com os prédios, perderam-se os “tios”, foi-se a comunidade.

    

    Veio de Angola com os pais, tinha dois anos. Depois emigraram para Inglaterra. Aprenderam inglês, mas nunca perderam o português (“manter a base e acrescentar”, dizia o pai). E regressaram a Lisboa. O Gil estudou sociologia, life-coaching, desporto. Fez atendimento em lojas de luxo, mas não quer mais vender coisas. Quer ajudar os outros. A mulher não o deixava fazer massagens, dizia que ele não sabia; então, ele tirou um curso de massagens à séria. Gosta de saber para fazer, não é de teorias. Mas é um especialista em éles: Luanda, Londres, Lisboa, Lumiar. 


    A Daniela faz uma bela propaganda aos trabalhos de costura que cria com a Tia Maria e outras colegas, ali ao lado, no Espaço Mundo. Vão mostrar essas peças na feira do bairro.

    

    A Tia Maria já voltou a Angola duas ou três vezes. Não tem filhos, mas tem muita família. “São muitos, parecem ratinhos, sempre mais”, diz ela, a sorrir. “Obrigada, não há televisão…”

    

    Durante anos, o Gil ia com os amigos a pé por aqueles lugares todos até a uma sala emprestada, no ISEG da Alameda. Durante o caminho, o tempo passava e os buracos iam-se tornando prédios. Este texto vai com eles, dentro e fora do tempo, despassarado, só a ouvir.




          Jacinto Lucas Pires, com Maria Kama, Daniela Deía e Gil Val

                                                                                       (no Grupo de Alfabetização da ARAL)




(texto escrito na "Leitura Furiosa", que, em Lisboa, é organizado pela Casa da Achada)


terça-feira, 6 de junho de 2023

Chegaram os super-óculos da Apple

Parecem muito "fixes", parecem mesmo o "futuro", mas como vai ser quando a confusão entre o real e o virtual se estender ao mundo físico?

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Turismo infinito

"...o turismo já não é um setor florescente do mundo, o mundo inteiro é que se tornou um setor atrasado do turismo."


Roberto Calasso, L'innominabile attuale