segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O que Natalia Ginzburg diz sobre Israel em 1972


"Dopo la guerra, abbiamo amato e commiserato gli ebrei che andavano a Israele pensando che erano sopravvissuti a uno sterminio, che erano senza casa e non sapevano dove andare. Abbiamo amato in loro le memorie del dolore, la fragilità, il passo randagio e le spalle oppresse dagli spaventi. Questo sono i tratti che noi amiamo oggi nell'uomo. Non eravamo affatto preparati a vederli diventare una nazione potente, aggressiva e vendicativa. Speravamo che sarebbero stati un piccolo paese inerme, raccolto, che ciascuno di loro conservasse la propria fisionomia gracile, amara, riflessiva e solitaria. Forse non era possibile. Ma questa trasformazione è stata una delle cose orribili che sono accadute."


(Gli ebrei, Natalia Ginzburg)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Os limites

"Os limites de um humano eram divinos? Eram."


(Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, Clarice Lispector) 

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A criança em Gaza

A reportagem de ontem, da RTP2, mostrava uma criança em Gaza, no que parecia um monte de cinzas, a andar em círculos, a gritar, "O meu pai e o meu irmão são mártires!..." A infância é o tempo da liberdade, da brincadeira, da vida sem prazo, mas àquele menino roubaram-lhe tudo. Aquela criança era o desespero do mundo. Devíamos pôr aquela imagem na cara dos decisores vinte e quatro horas por dia até haver paz.

domingo, 3 de dezembro de 2023

Calados, quietos

O partido da xenofobia tem 16% nas sondagens e nós damos passeios e comemos framboesas. O partido do discurso de ódio tem 16% nas sondagens e nós ouvimos vinis e folheamos revistas como se tudo estivesse normal. O partido da desinformação e do racismo tem 16% nas sondagens e nós ficamos calados, quietos, no nosso cantinho? 

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Exatamente

 "...pero ser escritor no es exactamente ser alguien."


(La vida privada de los árboles, Alejandro Zambra)

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Jornal Local: "saudade"

Um miúdo pequeno e loiro anda pelo passeio, na D. Carlos I, a ameaçar inimigos imaginários com a palavra "saudade". Tem as mãos como se agarrasse uma arma e dispara "saudade, saudade, saudade". Jornal Local estava lá e viu. E ouviu. A palavra mais portuguesa, dita com sotaque estrangeiro, é capaz de matar. 

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Hoje, em Vila Real, estreia "Hamlet O Musical" (perdoem-me a rima)

Ao morrer, Hamlet pede a Horácio para contar a sua história. No fim, chegamos ao princípio.

    Mas esta ideia de que o “Hamlet” que chega até nós, espetadores, é a versão do seu amigo, Horácio, não costuma ser muito sublinhada nas leituras-em-palco da famosíssima peça de Shakespeare — desde logo, claro, porque tal revelação surge apenas no derradeiro momento, na ponta final do desenlace. E, no entanto, ela é fulcral. 

    A existência de um narrador-personagem não mudará tudo, mas muda muito. Algumas questões decorrem imediatamente daí: configurará ele uma espécie de representante do autor no interior da história, ou talvez mais algo parecido com um agente duplo? Será ele alguém que se autonomiza em relação ao amigo, acabando por moldar a narrativa de acordo com a sua própria agenda, ou é ele antes um homem-teatro, um Shakespeare-Globe, cuja transparência é afinal uma forma de génio camaleónico?


A nossa proposta é investigar o monumento hamletiano a partir desta perspetiva — um Horácio com uma História —, escavá-lo desde o fim, e em modo musical. O que acontece no espírito de Horácio no instante em que o amigo moribundo lhe pede que conte aquilo tudo, para que “Hamlet” não fique como um “nome ferido”? E como é que Horácio aproveita essa oportunidade, como é que escolhe usar esse poder? Como é que alguém revive e reimagina tamanha sequência de acontecimentos, pensamentos, mal-entendidos, visões, sem se perder de si (ou, visto do outro lado, sem se divertir um bocadinho)? 


O quê, Horácio canta?

 

Claro, senão como poderia ser tantas vozes por dentro?



"Hamlet Hamlet Hamlet

de William Shakespeare

a partir de Hamlet de William Shakespeare

a partir da tradução de Hamlet de William Shakespeare de Gualter Cunha (editada pela Relógio D'Água)

Encenação de Marcos Barbosa

Interpretação de Pedro Fontes, Marcos Barbosa, Silas Ferreira

Música de Silas Ferreira

                Cenário e figurinos de Arial Fiske de Gouveia

                Luz de Carlos Ribeiro

Argumento de Jacinto Lucas Pires

Argumento: história de um homem preso dentro da sua cabeça

Argumento: história inventada para redimir um amigo

Argumento: história de um homem em forma de pergunta

Argumento: história de um homem que quer vingar o pai

Argumento: história de um homem que ama demasiado a mãe

Argumento: história para homenagear um filho morto"



Produção: Escola do Largo




terça-feira, 14 de novembro de 2023

Prémio de Tradução Literária Francisco Magalhães!

 



A minha tradução de Cristo parou em Eboli, de Carlo Levi, ganhou o Prémio de Tradução Literária Francisco Magalhães da Associação Portuguesa de Tradutores! (Ex-aequo com a tradução, de Catarina Ferreira de Almeida, de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.) Sou suspeito, claro, mas é um grande livro. Pode ser que este prémio lhe traga novos leitores.

sábado, 14 de outubro de 2023

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Donato!

Essa música não pára nunca mas nunca. Essa música não é de escrever, nem quase de tocar, é coisa que entra pela pele, que se respira. Grande João!

terça-feira, 18 de julho de 2023

domingo, 16 de julho de 2023

quarta-feira, 28 de junho de 2023

A comunicação social parece andar a sofrer disto: síndrome da toupeira de proporções gigantescas

"Uma toupeira de proporções tão gigantescas é com certeza uma singularidade, mas não se pode exigir para ela uma atenção permanente do mundo inteiro (...)".



("O mestre-escola de aldeia", Franz Kafka, trad. Álvaro Gonçalves, ed. Livros do Brasil) 

terça-feira, 27 de junho de 2023

quarta-feira, 21 de junho de 2023

É ir a correr até à Sociedade Nacional de Belas-Artes e depois ficar por lá com todo o tempo do mundo

A exposição "metamorfoses", de Ilda David' (curadoria de Nuno Faria), é uma maravilha. Pintura que é escultura, escultura que é pintura, e uns bordados altos que são misteriosíssimas bandeiras. Hei de lá voltar.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Para ouvir

Estas palavras vão com a Maria, no Cunene, a caminho da água. Nunca foi à escola, a mãe dizia-lhe para tomar conta dos irmãos. Caminha, com uma criança às costas e uma tina de água equilibrada na cabeça. Às vezes, tem de parar para beber. 

    Quando foi a revolução em Portugal, havia muitos brancos a vir para a metrópole (dizia-se assim, “metrópole”), e ela veio também. Era nova, tinha a ideia de que aqui as ruas eram brilhantes. Imaginava-se a andar em cima de um espelho. Afinal, ficou num hotel em frente à estação. Trabalhou nas limpezas, e acordava às cinco da manhã, mas era melhor trabalhar fora do que em casa. Fora, pagam; em casa, como não temos a chefa a ver do pó em cima das coisas, vamos adiando. 

    A Daniela é o contrário. Está em casa e não pára. A família diz-lhe que não sabe descansar. Um dia, foi a pé do Alto do Lumiar até Santo António dos Cavaleiros. Esta frase segue atrás dela, tenta apanhá-la. Parece uma menina, mas já tem uma filha com treze anos. Aprendeu a ler em Angola, só que foi esquecendo e agora está a recomeçar. Tenta ler os letreiros no autocarro. Quer trabalhar como doméstica ou num restaurante; precisa de contrato para ter o papel da residência. A filha já tem, ela não. 

    

    O Gil chega, apresenta-se e, de repente: “A D. Maria vivia onde?” Os dois olham-se, silêncio. Descobrem que eram vizinhos há vinte e tal anos, na Quinta Grande. “Eu vivia na Rua da Esperança!”, diz o Gil. “O meu pai era o Picasso.” Pausa. “Era o Picasso porque era um artista!” E depois explica o erro da reabilitação: destruíram os bairros e separaram as pessoas. Nos prédios, as pessoas morrem e ninguém sabe. A D. Maria, que agora já é a Tia Maria, diz que o mundo está pior. A Daniela confirma: de pernas para o ar. O Gil diz que, com os prédios, perderam-se os “tios”, foi-se a comunidade.

    

    Veio de Angola com os pais, tinha dois anos. Depois emigraram para Inglaterra. Aprenderam inglês, mas nunca perderam o português (“manter a base e acrescentar”, dizia o pai). E regressaram a Lisboa. O Gil estudou sociologia, life-coaching, desporto. Fez atendimento em lojas de luxo, mas não quer mais vender coisas. Quer ajudar os outros. A mulher não o deixava fazer massagens, dizia que ele não sabia; então, ele tirou um curso de massagens à séria. Gosta de saber para fazer, não é de teorias. Mas é um especialista em éles: Luanda, Londres, Lisboa, Lumiar. 


    A Daniela faz uma bela propaganda aos trabalhos de costura que cria com a Tia Maria e outras colegas, ali ao lado, no Espaço Mundo. Vão mostrar essas peças na feira do bairro.

    

    A Tia Maria já voltou a Angola duas ou três vezes. Não tem filhos, mas tem muita família. “São muitos, parecem ratinhos, sempre mais”, diz ela, a sorrir. “Obrigada, não há televisão…”

    

    Durante anos, o Gil ia com os amigos a pé por aqueles lugares todos até a uma sala emprestada, no ISEG da Alameda. Durante o caminho, o tempo passava e os buracos iam-se tornando prédios. Este texto vai com eles, dentro e fora do tempo, despassarado, só a ouvir.




          Jacinto Lucas Pires, com Maria Kama, Daniela Deía e Gil Val

                                                                                       (no Grupo de Alfabetização da ARAL)




(texto escrito na "Leitura Furiosa", que, em Lisboa, é organizado pela Casa da Achada)


terça-feira, 6 de junho de 2023

Chegaram os super-óculos da Apple

Parecem muito "fixes", parecem mesmo o "futuro", mas como vai ser quando a confusão entre o real e o virtual se estender ao mundo físico?

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Turismo infinito

"...o turismo já não é um setor florescente do mundo, o mundo inteiro é que se tornou um setor atrasado do turismo."


Roberto Calasso, L'innominabile attuale 

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Jornal Local: o telelé

Até no cacilheiro... Jornal Local esteve lá e registou. O velho cabisbaixismo lusitano encontrou o pretexto ideal no telelé.  

quinta-feira, 25 de maio de 2023

(...)

Na cortina branca-translúcida, a joaninha é um parêntesis com umas reticências dentro. Um sinal pequeno lembrando a importância do pequeno. Bicho da ausência, saudadezinha. Está lá para me fazer pensar, por razões diferentes, em Vicente Sanches e Robert Walser. E em tanto tão-pouco. De um momento para o outro, vai-se.  

terça-feira, 23 de maio de 2023

Eduarda

Morreu a Eduarda Dionísio. Assim, de repente. Em momentos destes, parece que as palavras não chegam. Talvez não haja palavras agora, só um silêncio "furioso" (como é "furiosa" a Leitura que fizemos e faremos na Casa da Achada). Não, não é "adeus", é "até sempre". A Eduarda ensinou-me tantas coisas — desde logo, que a utopia começa com os pés bem assentes no chão. Viva a Eduarda Dionísio.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Jornais e melancolia

Uma corrente de ar, um estrondo. A Poesia Completa de João Cabral de Melo Neto tinha voado da estante, para junto da planta do canto. Ali ficou, vivíssima, abrindo e fechando páginas, conversando com a monstera, brincando com os dois sentidos de "folha". Eu fui apanhar o livro, mas não consegui evitar que dois versos se entornassem. Diziam assim: "No fim de um mundo melancólico/ os homens lêem jornais."

quarta-feira, 17 de maio de 2023

No íntimo, a esfera

"Só mesmo no íntimo da obra, lá onde se interpenetram o teor da verdade e o teor objetivo, se abandona definitivamente a esfera da arte, e neste limiar desaparecem também todas as aporias estéticas, a discussão sobre forma e conteúdo, etc., etc.."


(Falsa crítica, Walter Benjamin, trad. João Barrento, ed. Assírio & Alvim) 

terça-feira, 16 de maio de 2023

Kafkaex

O Simplex é muito prático e fácil e tal, mas, quando falha, pára tudo. Falta um Kafkaex que o desmascare.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Imagem pensante

 "...a linguagem da tradução envolve os seus conteúdos como um manto real caindo em amplas pregas." 


(A tarefa do tradutor, de Walter Benjamin, trad. João Barrento, ed. Assírio & Alvim)

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Nothing but flowers

Durante anos, o escritor brincou com a ideia de não saber o nome das árvores. A vingança das árvores foi tremenda: ri-ni-te a-lér-gi-ca.  

quarta-feira, 26 de abril de 2023

26 de abril

A mulher vendia cravos na Avenida, no dia da revolução. Flores ainda meio fechadas, estremunhadas, quase em botão — tácteis metáforas de futuro. Mas ela garantia que assim era melhor, para os cravos não morrerem. Bela lição: se tivermos cuidado e lhes dermos água, as flores abrem e abrem.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Uma frase de John Berger

"Em todas as canções há distância."



("Confabulações", John Berger, trad. Maria Eduarda Cardoso, ed. Relógio D'Água)

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Pintado e pintura

Numa rua do Bairro Alto passa um homem mais ou menos novo, de cabelo comprido, colorido, e olhos pintados. Uma mulher mais ou menos velha olha-o com uma expressão de terror que lembra rostos perante a figura da Morte em pinturas antigas

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Escritório

Gosto muito do poema Os deuses, de Sophia de Mello Breyner Andersen, que diz que estes "Nasceram, como um fruto, da paisagem", acrescentando depois — num movimento que rompe, suspende e entrega o poema —  que a brisa, a luz, o branco das espumas e o luar "Extasiados estão na sua imagem". O mais perto disso a que o prosador consegue chegar é uma reunião no jardim. 

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Fábula*

A aranha passou toda a manhã em cima da página até que, esquecida de si, se tornou um asterisco.

 

sexta-feira, 31 de março de 2023

Não é por nada

Não é por nada, mas o guião da democracia norte-americana deve estar a ser escrito por uma qualquer I.A.

quinta-feira, 30 de março de 2023

Sobre uma fotografia de Jack Guez

O dia é a nossa bandeira. Somos maiores do que nós. As nossas vidas são aqui e agora e para sempre. A palavra desfraldada, uma casa de vento. O dia é a nossa bandeira.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Film noir

É importante lembrar como, no começo do film noir, é central a questão da fé. (A propósito de You Only Live Once, de Fritz Lang, que passou há pouco na Cinemateca.)




terça-feira, 28 de março de 2023

Polaroide do mundo

"The old dear stories of possibility. No one wanted them anymore, but nothing had replaced them." (HarrowJoy Williams)

segunda-feira, 27 de março de 2023

Um bom dia para ler o que Luis Miguel Cintra escreveu "NO DIA MUNDIAL DO TEATRO DO ANO 2019 DEPOIS DE CRISTO"

Breve excerto: "O Teatro tem sabido construir-se em função da sua responsabilidade moral? Perante a decadência moral de uma sociedade monstruosa na eficácia com que está a trabalhar para o egoísmo e o conforto individual, máscaras do poder do dinheiro, transformando-o no único motor da vida dos cidadãos, que cegamente gastam nisso a meia dúzia de anos que dura a nossa vida, nós, teatro que fizemos, ou que deixámos que nos levassem a fazer? Soubemos preparar os outros para 'a vida do mundo que há-de vir'?"

sexta-feira, 24 de março de 2023

Trotinetas 2

Trotinetas elétricas, tiradas do rio: lamacentas e torcidas, tornaram-se arqueologia. O futuro está passado. 

quinta-feira, 23 de março de 2023

Não teria feito mal ao debate parlamentar de ontem se alguém tivesse lido em voz alta um poema de "O problema da habitação — alguns aspectos", de Ruy Belo

 I

QUASI FLOS


A morte é a verdade e a verdade é a morte


Tão contente de vento, ó folha que nomeio

como quem à passagem te colhesse,

palavra de que tu, ó árvore, dispões para vir até mim

do alto da tua inatingível condição


De muito longe vinda, inviável lembrança

indecisa nas mãos ou consentida

por alguma impossível infância

E a alegria é uma casa recém-construída


Face melhor de todos nós, ó folha

dos álamos nocturnos e antigos visitados pelo vento,

no calmo outono, o dos primeiros frios, sais

do ângulo dos olhos, acolhes-te ao poema

como no alto mês de maio a flor imóvel do jacarandá


Não há outro lugar para habitar

além dessa, talvez nem essa, época do ano

e uma casa é a coisa mais séria da vida




Ruy Belo

terça-feira, 21 de março de 2023

Assobiam


"As pessoas que há muito tempo trazem em si uma mágoa habituaram-se a ela, assobiam e ficam muitas vezes pensativas." 


(Tchékhov, aconselhando a atriz Olga Knipper a deixar-se levar pelos pensamentos em cena — tirado de "Olhai a Neve a Cair — Impressões de Tchékhov", de Roger Grenier, trad. Manuel de Freitas, ed. Húmus)

segunda-feira, 20 de março de 2023

Trotinetas

Na avenida larga, os guiadores das trotinetas "jovens" e "tecnológicas" projetam sombras de cruzes, umas atrás das outras, um cemitério inclinado.

sexta-feira, 17 de março de 2023

A proverbial convocatória

No que vai além do óbvio, a convocatória de Roberto Martínez parece um provérbio chinês: alguns que jogam acabaram para a seleção, alguns que acabaram jogam na seleção.

quinta-feira, 16 de março de 2023

A montra

Na montra do café do bairro, uma bela instalação de caixas de whisky. Em primeiro plano, um cartão com letras, digamos, garrafais, avisando: "caixas vazias".

terça-feira, 14 de março de 2023

Recortes de artigo do New York Times sobre despedimentos na empresa dona do Facebook e do Instagram

artificial intelligence

the owner of Facebook and Instagram, said that it planned to lay off about 

10,000 employees

13 percent of its 

work force


on Tuesday

a “year of efficiency”

restructuring 

on Tuesday


In November, 

artificial intelligence

laid off more than 11,000 people

13 percent of its 

work force 


to become a “metaverse” company, 

connecting people to an immersive 

digital 

world through 

virtual-reality 

headsets and applications


Reality Labs unclear if

chatbots, which are built on

artificial intelligence

will want to use metaverse products







(recortado daqui)



segunda-feira, 13 de março de 2023

Kenzaburo Oë

Leio a notícia da morte de Kenzaburo Oë. Vem-me à cabeça uma imagem lida num livro dele: um miúdo pequeno, no Japão de 1945, ouvindo o imperador na rádio e sofrendo o choque de perceber que, afinal, o imperador-deus tinha uma voz humana. 

sexta-feira, 10 de março de 2023

As línguas portuguesas

Há aquele poema de Sophia que afirma que "Quando Helena Lanari dizia o 'coqueiro'/ O coqueiro ficava muito mais vegetal". 

    Em sentido contrário, um verso de Drummond — "à sombra de muro úmido" — faz-me pensar como o agá torna mais húmida a humidade.

quinta-feira, 9 de março de 2023

A inflação das lágrimas

Podia ser o título do relatório da ASAE sobre as margens médias de lucro bruto dos retalhistas (citado no Público de hoje). A margem mais alta é na cebola: acima de 50%. 

quarta-feira, 8 de março de 2023

Em vez de smartphones, bandeiras com frases do Almada

"Será exactamente nem científico nem falso, ao mesmo tempo." (Almada Negreiros)




(da nota ao leitor, em "Nome de Guerra", de Almada Negreiros)

terça-feira, 7 de março de 2023

Insólito e grandioso

"Civilização é o esforço insólito e grandioso para não nos vermos nus e simultaneamente a nostalgia profunda de uma impossível nudez." 


(Eduardo Lourenço — "O Nu do Século XX Ou Morte Sem Transfiguração")

segunda-feira, 6 de março de 2023

Tropeçar

Na revista New Yorker, os poemas aparecem sem aviso, no meio dos textos jornalísticos. Na edição de 27 de fevereiro, vem um chamado Duetde Daniel Poppick, que começa por falar do "espaço em branco entre palavra e música", ligando-o ao tempo entre o relâmpago e o trovão. 

    Lembrou-me a definição de poesia, ou melhor, do poema, de Paul Valéry: "essa hesitação prolongada entre o som e o sentido". 

    Talvez os jornais devessem seguir esta ideia antiga da New Yorker. Tropeçar num poema não só pode atirar o leitor para um lugar diferente — os tais "espaços em branco" onde acontece o espanto e uma inteligência de tipo mais plástico ou musical —, como o fará ler as notícias, as reportagens e os artigos com outra cabeça — uma cabeça disponível para essa fenda entre as coisas, onde a interrogação não é perda mas ganho. 

    Além de que, num mundo de informação às toneladas, em "tempo real" mas fatalmente pela rama, seria uma forma de o jornal em papel marcar a sua diferença. Contra os canhões, tropeçar, tropeçar!

quinta-feira, 2 de março de 2023

quarta-feira, 1 de março de 2023

Fala, O'Hara!

 "It is even in prose, I am a real poet."


(tirado do poema "Why I am not a painter", de Frank O'Hara)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Crónica

Hoje os rostos espantados de miúdos pequenos deram-me uma definição: crónica é um texto de jornal onde se pode escrever que as árvores são azuis.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O protocolo

"The Northern Ireland Protocol". Os jornalistas do New York Times que escrevem este artigo (Stephen Castle e Megan Specia) dizem que soa a título de thriller de espionagem. Em português não funciona tão bem, mas talvez seja uma boa ideia: tornar a diplomacia mais estilosa a ver se assim aumenta a transparência. E, por arrasto, talvez os "atores" passem a fazer melhores "personagens"...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A esquerda deve ler o que diz hoje, no Público, José Manuel Pureza

Não é a questão da liderança do Bloco. Mas, na entrevista de hoje, no Público, José Manuel Pureza fala da necessidade de uma "resposta social, política, frontal", e de uma maior ligação aos movimentos sociais. A esquerda, toda a esquerda, tem de ouvir isto. 

    Para quem quer transformar o mundo para melhor, não pode bastar o jogo das eleições. Essa tem de ser uma luta quotidiana, de proximidade, nos lugares onde trabalhamos, onde nos juntamos, onde vivemos — imaginando formas de não ficar preso a reivindicações setoriais, mas ir pensando sempre o todo da sociedade. O que temos? O que queremos? Para onde devemos caminhar? 

    E é preciso abrir a janela da política e olhar para lá da manchete do dia seguinte. Sonhar um país mais justo, mais aberto, mais vivo — sonhar, sim, falta sonho na política. Sonhar, e depois fazer por isso.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A utopia da quinta-feira

Há qualquer coisa especial nas quintas-feiras. Não sei. São dias esquinados e livres. Se os pudesse pintar, escolher a cor de os revelar, escolheria talvez dourado ou fúcsia. No poema Hora mágica, Drummond de Andrade escreve: "Ó vida! Ó quinta-feira inteira!/ pisando a areia que canta, o barro que clapeclape,/ a poça d'água que rebrilha." 

    Ou talvez escolhesse a cor da água, a cor de um dia de sol, as cores impossíveis que só têm nome dentro de nós quando somos livres. Lá diz o verso final do poema de Drummond: "Igual aos índios. Igual a mim mesmo, quando sonho."


(versos do poema "Hora mágica", Boitempo, Carlos Drummond de Andrade, ed. Tinta-da-china)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Recortes de artigo do New York Times sobre torres de porcos na China

“Everything has gone up"

pork supply is a strategic imperative

as tall as the London tower that houses Big Ben


high-definition cameras 

uniformed technicians in a NASA-like command center

more than one million pounds of food a day 

through high-tech feeding troughs

a long love affair with pigs


a symbol of prosperity

the country’s strategic pork reserve


mammoth industrialized pig farms

have sprung up

“Everything has


Hubei Zhongxin Kaiwei Modern Animal Husbandry


background in cement is useful in pig farming

hot baths and warm drinking water to the pigs


one-quarter of the feed will come out 

as dry excrement that can be repurposed 

as methane to generate 

electricity


would “fall under others’ control if we don’t hold our rice bowl steady”

Mr. Xi said 

“We would never dare do that,” 

Mr. Stuart said

“It’s just too risky”


go vertical

on the world


as tall as

Everything





(recortado daqui)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

De vez em quando, é preciso abrir o Livro

 "Sinto-me tão isolado que sinto a distância entre mim e o meu fato."


(Livro do Desassossego, Bernardo Soares, ed. Richard Zenith, Assírio & Alvim)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A nossa culpa

Leio na New Yorker que, desde 2014, morreram, "pelo menos", vinte e cinco mil pessoas a tentar atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa. Leio ainda que muitos migrantes trazem consigo pequenos sacos com terra do seu lugar de origem. E assalta-me a visão de uma montanha, feita da terra desses saquinhos, irrompendo desde o fundo do mar — como um monumento útil, que desse passagem ao sonho africano e forma à culpa europeia.


(The New Yorker — The Missing, by Alexis Okeowo)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O bebé Pessoa

Lancei-me a ler a biografia de Fernando Pessoa, escrita por Richard Zenith, e já estou apanhado. Alguém só feito de palavras ganha uma vida de carne e osso, com datas, nomes de ruas, de familiares, de conhecidos, etc. — uma vida de carne e osso e um movimento de cinema. Como é que se diz? Uma ideia começa a ganhar figura. 


    Tentar imaginar, por exemplo, o bebé Fernando Pessoa muda qualquer coisa naquela parte do cérebro que se chama língua portuguesa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Escrever politicamente

Na New York Review of Books, Ben Lerner escreve sobre a obra de Victor Serge. Cita os céus que brilham na ficção do escritor nascido Victor Lvovich Kibalchich, em Bruxelas, sublinhando como "questions of political commitment and questions of sensuality can't be separated out".

    "It's not that Serge was committed to a vision of History but stopped to smell the flowers — it's that the question of how sensual particulars vibrate with the 'great ensemble of life,' how you experience the latter 'by virtue' of the former, is a central political question in the fiction." (The Faces of Victor Serge, Ben Lerner)






segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

"Alexandre, meu deus, e O'Neill"

"(...) Sim, que isto é poesia, da mais pura, daquelas que se dirigem aos que muito amamos, procurando atingi-los num coração indolente, sabendo que não nos ouvem, Alexandre, meu deus, e O'Neill. (...)"


(do poema "Alexandre, o Grande", Poesia reunida, de Manuel Resende, ed. Cotovia)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Obsoletas e atuais

Ontem, abri a porta e vi a barata. Era um bicho pequeno, grande, castanho, cor de cobre. Contive o grito literário, "Clarice!", mas fiquei, confesso, um tudo-nada atarantado. Na ombreira da porta, o escritor é que era, afinal, a barata tonta. Da cozinha, trouxe uma colher de pau e logo se me deparou um dilema: usar um lado ou o outro? A ponta do cabo para matar o bicho ou a colher propriamente dita para o atirar lá para fora? Felizmente, não tive de fazer nada, a barata fugiu por um buraco, desapareceu. E eu abri o livro miraculoso de Clarice Lispector: "Uma barata tão velha que era imemorial. O que sempre me repugnara em baratas é que elas eram obsoletas e no entanto atuais." (A paixão segundo G.H., Clarice Lispector, ed. Rocco)


quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Sonho acordado

Não se assustam, ao ler a opinião nos jornais, com a falta de sonho, por um lado, e a falta de ligação ao real, pelo outro? 

    Talvez não fizesse mal pôr nos livros de estilo duas citações poéticas. Esta, de Adélia Prado:

"Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,/ os sítios escuros onde nasce o 'de', o 'aliás',/ o 'o', o 'porém' e o 'que', esta incompreensível/ muleta que me apóia." (do poema "Antes do nome", Bagagem, ed. Cotovia)

    E esta, de William Carlos Williams:

"Tanta coisa depende/ de// um carrinho de mão/ vermelho// reluzente de gotas de/ chuva// ao lado das galinhas// brancas." (O carrinho de mão vermelho, Antologia breve, trad. José Agostinho Baptista, ed. Assírio & Alvim)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Do futuro

No filme "De hoje para amanhã", de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, as personagens (que falam a cantar: o filme é sobre a ópera de Schoenberg com o mesmo nome) olham, por vezes, para fora de cena. Não para a câmara, mas para fora do cinema, para o mundo. (Na folha de sala da Cinemateca, António Rodrigues explica que os cantores estão a olhar para o maestro. Mas, claro, é também uma escolha dos realizadores.) Esses olhares para fora deixaram-me a pensar como se poderia fazer o mesmo na escrita. Não é uma pergunta com resposta, mas uma questão que talvez nos possa desequilibrar para a frente (para o futuro, de onde nos falam a cantar Straub e Huillet). Como é que, a partir de dentro, se pode rasgar o texto, na direção do ar livre do real? 




sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Universidade Roberto Bolaño

Li "Universidade Fernando Pessoa" nas manchetes e estranhei. Uma universidade com nome de escritor?

    Não sei se a estranheza veio de me lembrar de como, no meu tempo universitário, os "escritores" ou miúdos que começavam a escrever formavam um corpo estranho na escola. Um grupo desorganizado, talvez ligeiramente infrarrealista. Um poeta até lhes chamou "Aqueles que têm os ossos frágeis". 

    Ou se foi porque tenho estado a reler os poemas de Bolaño. Num deles, o Eu do poema fala de estar bêbado e sozinho a gastar o seu dinheiro "num dos limites/ da universidade desconhecida". 

    Uma Universidade Roberto Bolaño seria onde? Num parque de campismo, numa prisão mexicana, nas ruas que as noites inventam, numa oficina de poesia, num baldio, num poema em ruínas?

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Bola preta para as críticas que menosprezaram o filme "Ruído branco"

Não é todos os dias que aparece um belo filme feito a partir de um grande livro. E Baumbach conseguiu isso com a obra-prima de DeLillo. 

    Mas, claro, só vai gostar quem souber rir.



segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Há o teatro de revista e há a revista de teatro

O Rui Pina Coelho e eu fomos entrevistados pela Marie-Amélie Robilliard e pelo Thomas Resendes sobre o interminável tema do "teatro português" — para a nova revista da Maison Antoine Vitez, Sur le ring.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Ficção-científica

Um realizador de que nunca tinha ouvido falar não fez um filme de que nunca tinha ouvido falar, e isso é do caraças 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

I just called to say: auf Wiedersehen

"Alemanha desmantela todas as cabines telefónicas ainda em funcionamento", informa a Euronews.

O que virá a seguir? O fim dos jornais em papel? A obrigatoriedade do uso de telemóveis-espertos? 

E, quando dermos por nós, transformámo-nos numa espécie de andróides presos em redes sem fios...

Ainda por cima, há cabines tão bonitas. É um símbolo tão forte; fonte de tantas ideias, pretexto para tantas histórias. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Brasília

vandalizou

vandalizaram

vândalos

gente com picareta


A Justiça


complacência

destruição


A Justiça


punhado de imbecis criminosos

atacam o coração


PENSA


A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada







(recortado dos jornais Público, Expresso e Folha de São Paulo)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sugiro ao governo um maior investimento na cultura

Belíssima, a definição de Simone Weil (que descobri num ensaio de Roberto Calasso): "O que é a cultura? Formação da atenção."

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Há palavras que já nasceram com aspas

Como aquela, ontem, no título do jornal Público, onde se lia que o primeiro-ministro assegurara "estabilidade" com mais uma remodelação.


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Recortes de artigo do New York Times sobre homem armado que causou pânico no supermercado

four 

handguns in his jacket pockets, 

and in a guitar bag, 

a semiautomatic rifle and a 12-gauge shotgun

AR-15-style rifle

“panic, terror and the evacuation of the Publix”

he was “just being a person


mere seconds 

to determine whether 

a person with a gun “either legally has the right or he’s a madman” — or both.

all the guy did was be in the store with guns,”

Texas law 


knowingly 

displaying 

a firearm 

in public 

“in a manner 

calculated to alarm.” 


His circumstance kind of fell in the gaps,”


some technicalities in the law 


a shooting spree, killing three


had taken out 

some of the weapons, 

including the rifle, to clean them after discovering that 

some guacamole 


he had bought had caused 

a mess inside the bag

loading

vigorously pushing 

the boundaries of the freedom to carry weapons in public

“panic, terror and the evacuation of the Publix”








(recortado daqui)