segunda-feira, 6 de março de 2023

Tropeçar

Na revista New Yorker, os poemas aparecem sem aviso, no meio dos textos jornalísticos. Na edição de 27 de fevereiro, vem um chamado Duetde Daniel Poppick, que começa por falar do "espaço em branco entre palavra e música", ligando-o ao tempo entre o relâmpago e o trovão. 

    Lembrou-me a definição de poesia, ou melhor, do poema, de Paul Valéry: "essa hesitação prolongada entre o som e o sentido". 

    Talvez os jornais devessem seguir esta ideia antiga da New Yorker. Tropeçar num poema não só pode atirar o leitor para um lugar diferente — os tais "espaços em branco" onde acontece o espanto e uma inteligência de tipo mais plástico ou musical —, como o fará ler as notícias, as reportagens e os artigos com outra cabeça — uma cabeça disponível para essa fenda entre as coisas, onde a interrogação não é perda mas ganho. 

    Além de que, num mundo de informação às toneladas, em "tempo real" mas fatalmente pela rama, seria uma forma de o jornal em papel marcar a sua diferença. Contra os canhões, tropeçar, tropeçar!

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