O narrador de A lenda do santo bebedor de Joseph Roth — uma voz irónica e fria como um fantasma de fato-e-gravata e chapéu de coco — diz-nos a certa altura: "Como é do conhecimento de todos os vagabundos, os jornais aquecem." Ora aqui está. É este, precisamente, o problema dos jornais nesta nossa era virtual. Online, os jornais não aquecem nem arrefecem. Não, não é trocadilho, ou não só, é uma constatação. Falando apenas dos jornais portugueses, o que este leitor vê todos os dias são autocarros à frente da baliza. Em crise há anos, o melhor que ocorre a quem manda nos jornais, aparentemente, é pôr tudo à defesa. Ou baixando muito o nível e matando marcas de referência, ou entrando em negação e desistindo de conquistar novos leitores, ou apostando tudo em "maquilhagens" (leia-se design) e "austeridades" (leia-se despedimentos). Não há soluções mágicas, claro. Mas acho que a solução de futuro está em arriscar no ataque. Ou seja, construir um jornal com uma clara visão do mundo (cultural, política, estética), de tal forma que ser leitor desse jornal seja afirmar alguma coisa. Fazer parte de alguma coisa. Como usar um emblema dizendo "eu sou isto", não sou aquilo. Bem sei que há problemas práticos tremendos. A publicidade no online ainda anda longe de ser suficiente. E o sistema seguido por alguns jornais portugueses para agarrar leitores fiéis (bloquear a opinião) também não é o melhor, digo eu. Menos má é a solução de alguns títulos estrangeiros, como o New York Times: depois de tantos artigos/ mês, bloqueiam o acesso e convidam o leitor a assinar o jornal. Mas se o jornal não for um mero apanhado de factos (já os temos todos grátis na net) nem um saco de opiniões gregas e troianas (ai o nacional-porreirismo...), se o jornal não tiver medo de afirmar uma visão clara, diferenciada, do mundo que temos e do que mundo que queremos ter, um caminho que, entre tanto ruído, nos leve ao coração de cada dia — se conseguirmos um jornal assim, os tais problemas práticos serão apenas isso, "problemas", e não "o problema", este drama, isto que agora nos parece pouco menos (não é?) do que um abismo intransponível. Neste país em crise, fazem tanta falta, ainda mais do que sempre — de novo, de novo: jornais frescos e quentes!
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