terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Segredo

Correr no campo e correr na cidade são desportos diferentes. Correr em Lisboa, pelo menos, parece-me uma modalidade mais próxima das artes marciais ou da luta livre do que propriamente do fundo, meio-fundo. Bem me ensinava quem me ensinou: “Onde é que está o segredo do boxe? Nos pés!”
Nas manhãs de inverno é duro pôr a máquina-corpo a mexer. Os músculos frios, ensonados, distraídos a pensar em férias, camas, livros, lugares interiores. E a cabeça, pois, ainda demasiado leve para conseguir ser uma locomotiva convincente. Acabámos de acordar, estamos esvaziados de sonhos. O primeiro passo é tremendo. E o segundo, o terceiro, e os seguintes, até que o balanço valha por si. É difícil, duroduro. Mas o mais complicado talvez ainda seja romper a barreira de estranheza/ sensação de ridículo/ o quê? que há quando se corre fora dos locais próprios. As pessoas ocupadas que nos olham com olhos de pôr na ponta do nariz. As pessoas ocupadas que fingem não nos olhar com sobrancelhas iguais a corvos mesquinhos. As pessoas ocupadas em não fazer nada, olha a merda.
Ah sim, temos de nos desviar das prendas dos cães. E pedir licença na passadeira para atravessar. Mas vai, vai. Há que ser feliz e não ligar meia, ligar só às pequenezas mais verdadeiras, às mais altas almas, continuar em frente como diz a canção do Vasco Cardoso. Será que hoje cumpro a meia hora a que me propus? Será que em maio estou apto para a meia maratona, caramba? Isto de aprender a ser cota tem muito que se lhe diga. Mas não penses demais. Complicar é batota. Cala-te, vai. Cala-te e corre. “Onde é que está o segredo do boxe?”

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