segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nova Iorque 4

Numa das passagens de alfândega, em Heathrow, fui chamado à parte. Uma mulher-polícia pediu-me para abrir a mochila. Era uma senhora rechonchuda, de bochechas rosadas e redondos olhos azuis, que parecia uma personagem de um romance de Barbara Pym a quem tivessem impingido uma farda e um chapéu. 
Enfiou a mão no caos de roupa suja que era o conteúdo da mochila e descobriu o coração. Séria, levantou o olhar para mim à espera de um esclarecimento. Como é óbvio, aquilo era muito suspeito.  
Pensei em contar-lhe a história da escola de cinema, dos exercícios sobre a relação entre imagem e música, da descoberta daquele adereço no vigésimo andar de um arranha-céus no centro de Manhattan, mas pareceu-me complicado demais. Em vez disso, o que me saiu, numa voz sumida, entre soluços, foi: “Please, don’t break my heart...”
Uma pausa longa, um silêncio doido, um vazio que ia dali até à Rua 3 Este em Nova Iorque e voltava; e eu de braços caídos, mordendo o lábio, à espera que a senhora rasgasse a borracha exterior, estraçalhasse a esponja interior e me humilhasse em público — um falso coração exposto para a risota de todo o aeroporto. 
Mas, encarando-me com uma leve, levíssima, ironia azulada, a mulher-polícia largou o coração na roupa suja e fez um gesto para que eu avançasse. “Pode seguir”, disse.
E eu obedeci.

Um comentário:

  1. isso foi porque arranhaste, ao de leve, o dela: coração com coração se paga. :-)

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