quarta-feira, 27 de abril de 2011

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Pois, lá tivemos o prémio de consolação da Taça da Liga. E, mesmo isso, foi conseguido sem brilho nenhum. Devíamos pôr velinhas por aquela chuteira do Paços que, no momento pê do penálti, atirou suave para a defesa do nosso Moreira. Perdoem-me se escrevo em português mais-que-corrente mas ele há coisas que não podem ser ditas em decassílabos: jogámos mal que dói. Estou a falar da Taça da Liga, sim. Sobre a Taça de Portugal, temo que as primeiras palavras que me ocorrem não sejam sequer próprias de um jornal familiar como o JN. Em síntese: *#&”!!!%(. 
O jogo com o F.C. Porto foi um descalabro daqueles gregos. Uma intempérie na alma, um remoinho de lágrimas. Não, não exagero — quem é benfiquista sabe o que é que nos custou aquilo. E o pior é que estava à vista de todos. Ai, reticências, reticências... Já lá diz o provérbio latino: errar é humano, insistir no erro é burrice, burrada, burrismo. Aparentemente, não aprendemos nada com o susto de Eindhoven. Entrar a defender um resultado é começar logo de pé atrás, é dar o jogo ao adversário logo de entrada. Deixar Aimar no banco, caro mister, é a pior mensagem que se pode dar — à equipa e ao adversário. Mas não vamos bater mais no ceguinho. Agora temos mas é de nos levantar e olhar em frente.
Óscar Cardozo é a imagem do que tem de mudar neste Benfica. Quando o paraguaio era uma carta fora do baralho, um gigante tímido que imaginávamos a citar Fellini sem querer, dizendo que estava tudo bem, apenas sentia “um pouco de melancolia” — nessa altura gostávamos dele e ele marcava golos. De repente, como que acordando dessa saudade paraguaia, Tacuara estoirava para a baliza e a bola alegrava-se nas redes. Agora não. Agora o homem mudou da melancolia para a birra, a timidez cresceu em arrogância, e assim, claro, os ataques emperram, os passes falham, os chutos vão para a bancada. Cardozo e toda a equipa têm de regressar a si mesmos: humildade e grandes sonhos. Pensar na vitória e jogar para ganhar com chuteiras felizes. 
Luisão pôs a ideia em boas palavras: “Ganhar no Benfica é diferente de ganhar em qualquer outro clube.” É este o espírito, senhores! Contra o Braga, temos de arquitetar uma glória sem espinhas, que não há mais espaço para abébias e desculpas de mau pagador. Não: a única maneira de virarmos estes desaires tão *#&”!!!%( é pormos o futebol-espetáculo no cimo da Europa e irmos lá a Dublin receber o caneco.

(no JN de hoje)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Chama-se futebol

Aquela primeira parte com os holandeses, na quinta-feira, parecia o FMI a aterrar na Portela uma e outra vez, uma aterragem em contínuo, um avião de más notícias que não deixasse de aparecer, que nunca parasse de chegar. Que pesadelo, que aperto de alma. Uma coisa é fazer esticar as histórias, dar um certo drama às conquistas; outra coisa bem diferente, caro Maximiliano Pereira, é brincar com a mística. Felizmente o capitão Luisão foi lá à frente e, com um pontapé faraónico, piramidal, inimaginável, pôs os pontos nos ii. Dessas gracinhas, nunca mais, por favor, caros senhores. O Benfica é para ganhar sempre. Com goleadas de vantagem no bolso ou com classificações fechadas à partida, o Glorioso tem de jogar sempre apontado às redes adversárias, com a alegria artística de jogar o jogo pelo jogo, coração de futebol-beleza. Como naquele tiraço do nosso zagueiro-chefe: de costas para a baliza mas com a cabeça na baliza, apertadíssimo pela defesa dos PSV’s, Luisão faz jus ao aumentativo e agiganta-se no ar, uma acrobacia imensa, a chuteira apenas sussurrando à bola a direção certa. E lá vai ela, que espanto, por cima de um defesa saltitante, para o ângulo mais feliz. Viva, alegria, alegria.     Contra o Beira-Mar, também atrasámos o futebol uns bons minutos, no domingo também fomos domingueiros boa parte do tempo. Mas lá estavam Carlos Martins e Pablo Aimar e, sim, imagine-se, Sidnei Rechel da Silva Júnior. O português abre para o espaço aberto, Kardec faz-se de extremo-direito e cruza direitinho; Aimar faz uma obra-prima do não-fazer, um ex-líbris da omissão, um poema sem palavras, e, sustendo a respiração,  plim, deixa a bola passar; do lado esquerdo da nossa surpresa, aparece o miúdo Sidnei a tocar para o golo. É assim, com vontade de alegria, com gosto de alegrar. Ouçam o que diz o mestre Cruyff: este desporto não se chama “títulos”, não se chama “pontos”, chama-se “futebol”. Temos de fazer o melhor futebol sempre, sempre — somos o Benfica, caramba. 
Hoje só isso nos garantirá uma vitória contra o F.C. Porto, que traz a confiança do campeonato e tem Falcão, Hulk e Guarín em grande forma. Não podemos entrar no relvado nem com “cerimónias” táticas, nem “a passear” os dois golos da primeira partida. Temos de pensar o futebol pelo futebol, jogar à bola como miúdos no quintal, na rua, na praia — só assim poderemos ganhar e vencer na Catedral.

 (no JN de hoje)

Jorge contra Jesus

Frente à Naval, a equipa B do Benfica conseguiu reproduzir o fracasso da equipa A contra o F. C. Porto. Claro que o texto foi diferente, mas o subtexto é o mesmo: falta de querença, chuteiras desanimadas, futebol desfocado. No jogo com o F. C. Porto, havia a motivação de qualquer clássico e, contra a Naval, era a oportunidade dos suplentes mostrarem que ideias trazem nos pés. Para lá disso, jogar com a camisola do Benfica — lembremo-nos, por exemplo, de Aimar beijando o emblema depois do golo contra o PSV — é motivação bastante para ganhar, ganhar sempre. A atitude da equipa B no passado domingo é, por isso, de ir às lágrimas. E é também um aviso importante. Num momento em que se fala da saída de alguns craques essenciais, a falta de banco à altura aumenta o nosso susto.
Sim, é verdade, ele há coisas perfeitamente incompreensíveis. Como é que o mister capaz de lançar o Benfica a jogar um glorioso futebol-arte insiste naquele mãos-suaves para a baliza? É um pouco como a conversa sobre mercados e política, FMI’s e votos: não podem ser os passes dos jogadores a determinar as escolhas futebolísticas. É que, já todos vimos, os números “frangam” que é uma coisa doida...
Quanto a Roberto, receio que já não haja muito a dizer. Há ali uma qualquer falha psicológica que o faz claudicar nos momentos mais inconvenientes. Como aquelas pessoas que pensam tanto na gafe que não podem cometer que, mal abrem a boca, o que lhes sai é, claro, a gafe monstruosa. Agora, a culpa também é de quem o põe lá. Quantos mais autogolos é que têm de acontecer para que o treinador conceda que o espanhol não é guarda-redes para o Glorioso? Enquanto Jesus consegue milagres no ataque, velocidade e obras-primas, goleadas europeias, Jorge estraga tudo cá atrás, insistindo em Roberto.
Mas pensemos na parte boa, a ver se damos sorte para a partida de amanhã: aquele golaço de Aimar, desembrulhando o nulo com um tiro canhoto por baixo do defesa e do guardião, um túnel incontroverso e vivíssimo; aquela arrancada de Coentrão, de deixar os holandeses sem vento nos moinhos, e o toque de calcanhar de Salvio lá para dentro; aquela finta do miúdo argentino, um tango de vai-não-vai-e-vai-mesmo, e depois o remate para o terceiro golaço; e, finalmente, aquela revienga barroca de Saviola, uma flor esquerda, inesperada, de pôr a Europa à beira-mar plantada. Em Eindhoven, sim, é para a alegria?

(no JN de 13 de abril)

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Parabéns ao F. C. Porto

Parabéns ao F. C. Porto. São justos campeões, aqui fica o aplauso deste benfiquista. E agora permitam-me que faça um parêntesis, que há coisas que não podem passar no escuro.
Perder é sempre mau. Perder o campeonato em casa contra o rival é, claro, muito mau. Mas aquilo de apagar as luzes e ligar a rega é abaixo dos mínimos e só piora a derrota — uma vergonha triste-triste. Os jogadores e os adeptos do Benfica não mereciam aquilo. Naquele momento final, caros amigos, a nossa Luz é que se apagou; nós é que levámos para casa, presa ao emblema, aquela chuva madrasta. Naquele momento, com aquele gesto imbecil, somámos à derrota matemática uma verdadeira derrota moral.
Felizmente, o Benfica não é aquilo. O Glorioso é, aliás, o exato contrário daquilo, da vil pequenez que está por trás daquele apagão choviscado. O Benfica é outra coisa: é mística, é glória e é grandeza de espírito. Não, não merecíamos aquele mau-perder do final. Mas, futebolisticamente falando — e como custa escrever estas palavrinhas simples que vêm a seguir —, merecemos bem a derrota. 
Primeiro, foi o nosso amigo Roberto que voltou a fazer das suas. Na última crónica, falei do “poético pato” de Rui Patrício no jogo contra o Chile. Mas a lentidão de reflexos deste não é nada ao pé do esforçado voluntarismo de Roberto. A nova criação do espanhol no clássico não foi nem pato nem peru e, não, não teve nada de poético. Foi um frango dos mais prosaicos, estilo retro, daqueles que já não se fazem. A centímetros da linha de fundo, Guarín centra. Tudo normal, não se passa nada. Nada? Nada de nada. Pois — até que o nosso guardião de milhões dá um saltinho para o meio e, com as suas suaves manápulas, orienta a bola para a própria baliza. 
Primeiro, foi isso... nem sei como lhe chamar. Depois, mil pecados de atos e omissões que podemos juntar sob a ideia de falta de querer e défice de alegria. E, ao descer do pano, aquele pecado maior: o pé de Cardozo no tornozelo de Belluschi... É verdade que, nesta altura do campeonato, era mais fácil para o F. C. Porto estar focado, que o título estava ali à vista. Mas o Benfica tem de encontrar alma para querer ganhar a qualquer hora, em qualquer contexto. Quem não quer suficientemente, habilita-se a perder rotundamente... E é por isso que, amanhã, na Europa, temos de entrar em campo com a grandeza de sempre — contra a mesquinhez de domingo passado.

(no JN de hoje)