A primeira vez que vi o nome Vasco Graça Moura foi na lombada de um pequeno livro castanho na estante dos meus pais. O título, “50 Poemas de Gottfried Benn”, não me dizia nada, mas o livro era bom ao toque, e intrigavam-me os fiapos de papel que saíam pela parte de cima como ideias despenteadas. Não sei que idade teria ao certo. Era da idade em que achamos que os poemas têm de ser coisas bonitas, e aqueles textos negros, ou castanhos?, nem bem felizes nem exatamente tristes, foram um choque. De vez em quando, lá ia eu folhear aquelas palavras, “um ninho de ratinhos”, “esquartejado”, “revista americana”, “destruições”, “peça de carne”, “tiara e púrpura”, como que em busca de confirmação. Como se, apenas passados alguns dias, ficasse na dúvida se de facto lera tais palavras ou apenas as imaginara. Palavras desconcertantes, das que não esperamos encontrar nos livros. Estranhei também perceber que o nome na lombada era o do tradutor. Não pensei isso assim por extenso na altura, mas acho que foi aí que comecei a dar a importância devida a essa figura que muda as coisas de uma língua para outra, mudando-as nesse processo. Para que as coisas continuem a ser de verdade. Porque as coisas são as mesmas e outras numa língua e noutra. Desde então, cruzei-me com muitos outros textos escritos e traduzidos por Vasco Graça Moura, e esse choque inicial nunca desapareceu. Um choque em forma de estranheza, em forma de espanto, em forma de quê. Claro, acontece-me estar em desacordo com ele com muita frequência. E também isso tenho de admirar. Neste tempo de indiferença e ruído, alguém que sabe que escrever não é compor frases bonitas mas pensar, e que um escritor não é um ser longínquo no palácio imaginário do seu génio mas um cidadão no mundo, é um exemplo, tem de ser um exemplo para todos nós.
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