quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


ESTA GENTE


Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo



terça-feira, 25 de junho de 2013

Sobre uma fotografia de Garry Winogrand

A mulher tem o mar pelas pernas e maravilhosamente não pensa em nada. Mas ainda não sabe isso. É preciso que ele a assuste, apanhando-a pelas costas, braços pela cintura, levantando-a da água como uma criança com superpoderes, e que o céu se entorne por cima dela, um guarda-sol azul que não para de cair, e que ela se ria como há tanto tempo não, rindo como se chora, com o corpo todo, rindo sim literalmente até às pontas do cabelo, e que o dia pare por todo o nunca nada amen, e o sal e a frescura se tornem uma ideia na cara dela de repente tão escancarada, para que a mulher dê conta desse ‘maravilhosamente’. Não é preciso pôr palavras nas coisas, afinal, que bom. Dava para fazer um romance disto, Deus meu.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

"You don’t get it. You’re like Mozart",



dizia-lhe ao telefone David Chase (o criador de Os Sopranos). E "do outro lado da linha haveria silêncio". (do NYT)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Contra a troika, a Europa

A troika é um erro crasso. E é o maior trunfo dado pela União Europeia aos eurocéticos. Mais: a troika é antieuropeísta. Infelizmente não estou a brincar. A ideia de um grupo de emissários técnicos que, enquanto representantes da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, vêm a um país da União “indicar soluções”, “sugerir opções”, “dar orientações”, “afinar metas” (escolha-se o eufemismo que se quiser) ao governo desse país é uma ideia capaz de destruir o sonho europeu em três tempos. Não, infelizmente não estou a exagerar.
Claro que o problema vem de trás, e é mais profundo. Mesmo em relação à chamada crise da dívida ou crise do euro. Porque o problema de fundo não é financeiro nem económico. É político. Não podemos ter medo da palavra. Aliás, tenho a certeza de que a crise será ultrapassada no momento em que salvarmos essa distinta, clara, simples, antiga palavra — “política” — da lama por onde a arrastam tantas vezes, do vácuo onde a querem guardar tantas outras.
A questão é política, sim. Não é possível haver uma união económica e monetária sem uma verdadeira união política. Isto é, uma democracia europeia em que os cidadãos se sintam representados; uma democracia europeia onde os representantes do povo falem em nome do todo e não pelos interesses desta ou daquela parte; uma democracia europeia que seja verdadeiramente — “diretamente” — europeia e não apenas o menor denominador comum saído das reuniões de um grupo de estados. Haverá diferentes formas de se caminhar para aí, sabendo, no entanto, que agora o tempo urge e temos, perdoem-me a expressão demasiado literal, de correr contra o prejuízo. (...)


(excerto do texto que escrevi para o livro “Troika Ano II – uma avaliação de 66 cidadãos” com coordenação de Eduardo Paz Ferreira)