quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Daqui

Nocturno de Chile é menos uma história do que um túnel. E, não, isto não é piada de quem leu o livro no metro. O túnel deste Nocturno não é acidental, é verdade. Seguimos a primeira frase do padre, poeta e crítico literário Sebastián Urrutia Lacroix, “Ahora me muero”, e pronto, já está, já não podemos sair. O caminho é estreito e tortuoso, e umas vezes vamos sozinhos, tentando perceber o sentido no escuro, tentando não tropeçar, atrasando o passo para compreender bem o chão daquela linguagem, as paredes daquele estilo, com medo de cair no vazio, mas, cuidado, sem parar — algum mistério neste Nocturno de Bolaño nos vai sussurrando, mesmo antes de sabermos da missa a metade, não pares, é pecado parar, e um pecado grave e mau, não pares nunca; ou talvez seja só o modo como está escrito, em forma de “texto corrido”, sem parágrafos (não, não acredito); seja como for, ninguém com um palmo de alma quererá parar a meio desta vida louca como todas, mínima e imensa, esta vida projetada contra o projetor —, umas vezes seguimos sozinhos, dizia, outras vezes há pessoas a fazer-nos companhia, personagens ou fantasmas, vozes que se acendem, sombras (sombras no escuro?) que caminham ao nosso lado a confessar parvoíces maravilhosas, a contabilizar referências, nomes, datas, para pôr História na história, a contar parábolas divertidas como aquela dos arqueólogos franceses, “De repente aparecen dos arqueólogos franceses, muy excitados y nerviosos, y le dicen al Santo Padre que acaban de volver de Israel y que le traen dos noticias, una muy buena y la otra más bien mala...”, e por vezes é o próprio escritor, dá ideia, que vem connosco, impressionado como nós, mas como nós a disfarçar, um escritor morto e magnífico com uma lanterna na mão, “Así se hace la literatura. O lo que nosotros, para no caer en el vertedero, llamamos literatura. Luego volví a canturrear: el árbol de Judas, el árbol de Judas, y mi auto entró otra vez en el túnel del tiempo, en la grande máquina de moler carne del tiempo...”, e nós vamos seguindo sempre, primeiro como cegos contra um sol simultaneamente nosso e impossível (ou isso é resultado de estar a ler em castelhano? não, não acredito) e depois como poetas mudos, hipnotizados, cidadãos do espanto, pelo túnel dentro, através da tempestade de merda que é o mundo, até ao mundo.

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