quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Prosa lírica

Chamem-me bota-de-elástico, utópico, lírico, chamem-me pobre e mal agradecido, mas o facto é que não consigo compreender esta madrugadora saída de David Luiz. Do lado do jogador, acho sempre incompreensível que alguém saia do Benfica, ponto final. O Chelsea não é propriamente um clube recreativo de meio da tabela, bem sei, tem muito dinheiro e muito tempo de antena, blá, blá, blá. Mas, digam-me, como é que alguém pode jogar de águia ao peito quatro anos, uma semana, um minuto, e não perceber que Glorioso só há um, o SLB e mais nenhum? Pois, pois. Antiquado, lírico, não é? Peço desculpa. Não quero dar sermões a ninguém, calo já a má disposição. É que acabei de ler o raio da notícia... Lírico, tudo bem. Pobre, aceito. Agora, mal agradecido é que não. Boa sorte, David! Mostra a esses ingleses enevoados que até na zaga o futebol tem de ser alegria e alma. 
Mas há mais a dizer sobre esta triste saída às escuras. Se um miúdo que quer ver mundo tem sempre desculpa, quem repete erros crassos não pode passar sem o nosso “buuu...”. Do lado dos patrões do negócio, do lado de quem vendeu o defesa, a decisão é, usemos um eufemismo, indefensável. Se queremos ganhar competições, não podemos despachar craques sem ter substitutos à altura. Foi assim com as saídas de Ramires e Di María e vejam o que isso nos custou. Até pode ser que Sidnei puxe dos galões e se revele um portento, que Jardel construa uma personalidade benfiquista à prova de dúvida, pode ser. Mas, caros amigos, o Benfica não deve ficar refém de um reticente “pode ser”...
O Benfica não é isto. O Benfica é o Javi García parado no ar, à espera da primeira bola do recém-chegado Fernández, para cortar a fita da baliza do Desportivo das Aves. O Benfica é aquele olhar de raposa de Franco Daniel Jara antes de dar um delicadíssimo toque para o lado, como quem suspende a sílaba de uma frase assassina, e chutar para golo. O Benfica é a chuteira atenta de Nuno Gomes, engavetando mais uma bola no marcador. O Benfica não é um número, não são os milhões obscenos que as manchetes põem em grande e por extenso. O Benfica não é uma “marca” e não é, não pode ser, um entreposto entre o talento do Novo Mundo e os cifrões dos novos ricos. O Benfica é aquele golaço que o miúdo Menezes declamou no domingo: um movimento indestrutível, todo futuro e certeza, a subir, sempre a subir.

(no JN de hoje)

2 comentários:

  1. Tal como o de Job, também este escrito se pode incluir no grupo dos chamados sapienciais; mas, no caso, mais que as dolorosas lamentações que o enformam ou a manifestação de esperança que o encerra, releva o grito de alerta, de sabedoria nascida da experiência, “madre de todas as cousas”.
    A seguir à Vitória, depenadamente despedida, sem direito, sequer, a uma última raspa de bife ressequido, voou o David Luiz … Quem se seguirá? Aguardarei, com esperança.
    Abraço azul

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  2. Caro Luís, o melhor é continuar a aguardar... Abraço!

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