segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

"Alexandre, meu deus, e O'Neill"

"(...) Sim, que isto é poesia, da mais pura, daquelas que se dirigem aos que muito amamos, procurando atingi-los num coração indolente, sabendo que não nos ouvem, Alexandre, meu deus, e O'Neill. (...)"


(do poema "Alexandre, o Grande", Poesia reunida, de Manuel Resende, ed. Cotovia)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Obsoletas e atuais

Ontem, abri a porta e vi a barata. Era um bicho pequeno, grande, castanho, cor de cobre. Contive o grito literário, "Clarice!", mas fiquei, confesso, um tudo-nada atarantado. Na ombreira da porta, o escritor é que era, afinal, a barata tonta. Da cozinha, trouxe uma colher de pau e logo se me deparou um dilema: usar um lado ou o outro? A ponta do cabo para matar o bicho ou a colher propriamente dita para o atirar lá para fora? Felizmente, não tive de fazer nada, a barata fugiu por um buraco, desapareceu. E eu abri o livro miraculoso de Clarice Lispector: "Uma barata tão velha que era imemorial. O que sempre me repugnara em baratas é que elas eram obsoletas e no entanto atuais." (A paixão segundo G.H., Clarice Lispector, ed. Rocco)


quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Sonho acordado

Não se assustam, ao ler a opinião nos jornais, com a falta de sonho, por um lado, e a falta de ligação ao real, pelo outro? 

    Talvez não fizesse mal pôr nos livros de estilo duas citações poéticas. Esta, de Adélia Prado:

"Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,/ os sítios escuros onde nasce o 'de', o 'aliás',/ o 'o', o 'porém' e o 'que', esta incompreensível/ muleta que me apóia." (do poema "Antes do nome", Bagagem, ed. Cotovia)

    E esta, de William Carlos Williams:

"Tanta coisa depende/ de// um carrinho de mão/ vermelho// reluzente de gotas de/ chuva// ao lado das galinhas// brancas." (O carrinho de mão vermelho, Antologia breve, trad. José Agostinho Baptista, ed. Assírio & Alvim)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Do futuro

No filme "De hoje para amanhã", de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, as personagens (que falam a cantar: o filme é sobre a ópera de Schoenberg com o mesmo nome) olham, por vezes, para fora de cena. Não para a câmara, mas para fora do cinema, para o mundo. (Na folha de sala da Cinemateca, António Rodrigues explica que os cantores estão a olhar para o maestro. Mas, claro, é também uma escolha dos realizadores.) Esses olhares para fora deixaram-me a pensar como se poderia fazer o mesmo na escrita. Não é uma pergunta com resposta, mas uma questão que talvez nos possa desequilibrar para a frente (para o futuro, de onde nos falam a cantar Straub e Huillet). Como é que, a partir de dentro, se pode rasgar o texto, na direção do ar livre do real? 




sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Universidade Roberto Bolaño

Li "Universidade Fernando Pessoa" nas manchetes e estranhei. Uma universidade com nome de escritor?

    Não sei se a estranheza veio de me lembrar de como, no meu tempo universitário, os "escritores" ou miúdos que começavam a escrever formavam um corpo estranho na escola. Um grupo desorganizado, talvez ligeiramente infrarrealista. Um poeta até lhes chamou "Aqueles que têm os ossos frágeis". 

    Ou se foi porque tenho estado a reler os poemas de Bolaño. Num deles, o Eu do poema fala de estar bêbado e sozinho a gastar o seu dinheiro "num dos limites/ da universidade desconhecida". 

    Uma Universidade Roberto Bolaño seria onde? Num parque de campismo, numa prisão mexicana, nas ruas que as noites inventam, numa oficina de poesia, num baldio, num poema em ruínas?

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Bola preta para as críticas que menosprezaram o filme "Ruído branco"

Não é todos os dias que aparece um belo filme feito a partir de um grande livro. E Baumbach conseguiu isso com a obra-prima de DeLillo. 

    Mas, claro, só vai gostar quem souber rir.



segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Há o teatro de revista e há a revista de teatro

O Rui Pina Coelho e eu fomos entrevistados pela Marie-Amélie Robilliard e pelo Thomas Resendes sobre o interminável tema do "teatro português" — para a nova revista da Maison Antoine Vitez, Sur le ring.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Ficção-científica

Um realizador de que nunca tinha ouvido falar não fez um filme de que nunca tinha ouvido falar, e isso é do caraças 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

I just called to say: auf Wiedersehen

"Alemanha desmantela todas as cabines telefónicas ainda em funcionamento", informa a Euronews.

O que virá a seguir? O fim dos jornais em papel? A obrigatoriedade do uso de telemóveis-espertos? 

E, quando dermos por nós, transformámo-nos numa espécie de andróides presos em redes sem fios...

Ainda por cima, há cabines tão bonitas. É um símbolo tão forte; fonte de tantas ideias, pretexto para tantas histórias. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Brasília

vandalizou

vandalizaram

vândalos

gente com picareta


A Justiça


complacência

destruição


A Justiça


punhado de imbecis criminosos

atacam o coração


PENSA


A Justiça, de Alfredo Ceschiatti, de 1961, foi pichada







(recortado dos jornais Público, Expresso e Folha de São Paulo)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Sugiro ao governo um maior investimento na cultura

Belíssima, a definição de Simone Weil (que descobri num ensaio de Roberto Calasso): "O que é a cultura? Formação da atenção."

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Há palavras que já nasceram com aspas

Como aquela, ontem, no título do jornal Público, onde se lia que o primeiro-ministro assegurara "estabilidade" com mais uma remodelação.


terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Recortes de artigo do New York Times sobre homem armado que causou pânico no supermercado

four 

handguns in his jacket pockets, 

and in a guitar bag, 

a semiautomatic rifle and a 12-gauge shotgun

AR-15-style rifle

“panic, terror and the evacuation of the Publix”

he was “just being a person


mere seconds 

to determine whether 

a person with a gun “either legally has the right or he’s a madman” — or both.

all the guy did was be in the store with guns,”

Texas law 


knowingly 

displaying 

a firearm 

in public 

“in a manner 

calculated to alarm.” 


His circumstance kind of fell in the gaps,”


some technicalities in the law 


a shooting spree, killing three


had taken out 

some of the weapons, 

including the rifle, to clean them after discovering that 

some guacamole 


he had bought had caused 

a mess inside the bag

loading

vigorously pushing 

the boundaries of the freedom to carry weapons in public

“panic, terror and the evacuation of the Publix”








(recortado daqui)