"O edifício do Parlamento Europeu é um arranha-céus neutro na zona de negócios da cidade chamada Europa
no andar 47 a rapariga irlandesa chamada Deirdre leva a flor na mão
no corredor institucional a flor assim sem mais é quase perigosa
Deirdre sabe o caminho mas avança devagar prolongando o quase-prazer de levar ali uma flor sem nome e sem embrulho
vai visitar a mãe, que é alta-funcionária das Instituições e faz hoje 52 anos, mas vai também contar-lhe que:
Sei muito bem que já vou no terceiro curso, que nunca acabo nada, que sou uma desilusão para todos, mas hoje tive a certeza, desta vez é que é mesmo verdade, Mãe, não é jornalista que eu quero ser, como antes não era gestora, nem chefe de cozinha, hoje ao sair do café ao lado da faculdade vi (pianíssimo)
o Mi-chel Pi-cco-li
e — a maneira de ele andar, com uma, não sei, uma graça, uma solenidade desmanchada, como um dândi-gangster dos anos cinquenta que modestamente descesse à contemporaneidade kitsch das nossas ruas tristes, a maneira de ele olhar de relance e retirar o olhar sem fazer disso um problema e baloiçar os braços um nadinha demais com qualquer coisa de brincalhão ou talvez, não sei, talvez… — pronto, ao vê-lo, percebi, Mãe, agora é que tenho mesmo a certeza, Mãe querida:
Quero ser atriz"
(Canto da Europa)
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